Os relacionamentos mudaram mais depressa que aquilo que nós, solteiros, conseguimos acompanhar. Antes, as pessoas amavam porque era inevitável, porque a vida lhes empurrava alguém para o caminho. Agora parece que amam porque precisam; precisam para existir, para provar qualquer coisa, para mostrar que têm valor. Hoje, só se realizam em relações, como se a felicidade tivesse sido privatizada e o acesso dependesse de estar com alguém. Fugiu o senso comum ao cupido... e ninguém o viu voltar.
E eu não pude deixar de me perguntar em que momento é que isto se tornou a norma. Quando é que deixámos de procurar amor e começámos a procurar certificados emocionais. Um carimbo social que diga: “estás a fazer as coisas bem”; em que, num piscar de olhos, transformamos o amor num currículo. Ter alguém deixou de ser um acaso bonito e passou a ser uma espécie de prova de competência sentimental.
O mais curioso é que, mesmo com tanta evolução; tecnologia, liberdade, escolhas infinitas; as relações parecem estar menos vivas. Parece que quanto mais ferramentas temos para encontrar alguém, menos sabemos lidar com a ideia de estarmos sozinhos. As pessoas entram em relações como quem assina contratos de estabilidade: não por amor, mas por medo de enfrentar o eco que fica quando o telemóvel está em silêncio.
E então, surgem aqueles casais que vivem como se tivessem descoberto o Santo Graal da realização pessoal. Fotos perfeitas, legendas poéticas, jantares que parecem campanhas publicitárias da vida adulta. Não é que estejam apaixonados; é que não sabem quem são sem aquilo. Acham que é amor, mas é só pânico disfarçado de completude.
Há, também, o caso de quem se esperneia e grita para poder publicar uma foto, e não pode, e não sabe lidar com isso de forma alguma sabendo que estar num relacionamento deveria ser, automaticamente, um destaque no Instagram.
A verdade é dura, mas evidente: hoje, a felicidade é um projeto que se faz a dois; mesmo quando não há dois. É quase criminoso parecer bem sozinho. É quase suspeito parecer inteiro sem mãos dadas. O mundo olha para quem está solteiro como um enigma a resolver, não como uma pessoa a viver.
E eu não pude deixar de me perguntar se isto não é só mais um sintoma do nosso tempo... um tempo em que não sabemos bem quem somos, tentamos viver rapidamente, e por isso procuramos alguém que nos dê forma. Não porque queremos companhia, mas porque precisamos de um molde onde encaixar.
Os relacionamentos não pioraram. Nós é que ficámos tão assustados com a ideia de estarmos connosco que transformámos o amor na solução universal para problemas que nunca foram sentimentais. E assim seguimos, a namorar porque sim, a amar porque dá jeito, a confundir realização com dependência emocional polida para parecer saudável.
No fim, talvez ainda amemos; mas não da forma que imaginávamos. Não como descoberta, mas como manual de sobrevivência. Porque, para muita gente, estar com alguém não é um privilégio: é a única maneira de não enfrentar o vazio que aparece quando a porta da casa se fecha e deixamos de ter público.
E num piscar de olhos, infelizmente chamamos a isso de amor.
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