Ângelo Tomás's profile picture

Published by

published

Category: Life

O Fantasma da Saudade

Fiz todas as minhas melhores memórias com pessoas que nunca mais irei falar com. E isso é a parte mais estranha da minha (e da tua) vida. Há capitulos que se enchem de risos, amor e conversar tardias à noite, e que ainda assim se finalizam sem um final. Nem sempre recebemos um adeus, porque, às vezes, as pessoas preferem se desvanecer para o fundo das nossas vidas, deixando para trás ecos de momentos que um dia significaram tudo.

Há algo de profundamente cruel na forma como a vida nos faz lembrar que já não está. Não é preciso ouvir uma música específica, ver uma fotografia antiga ou passar por um sítio em comum. Às vezes, basta o silêncio. Aquele instante banal em que o mundo abranda... e, de repente, lá estamos nós outra vez.


E eu não pude deixar de pensar: será que toda a gente anda por aí com fantasmas de boas memórias? Não daqueles que assustam, mas dos que sussurram. Aqueles que aparecem quando uma música toca, quando um perfume familiar atravessa a rua, quando estamos quase felizes demais e o passado decide bater à porta só para lembrar que a felicidade já teve outros rostos.

É estranho como podemos rir até às lágrimas com alguém e, meses depois, passar por essa pessoa na rua sem saber o que dizer. Como é que a vida transforma intimidade em silêncio? Como é que um “fala comigo” se torna num “nem me olhes”? Talvez seja porque crescemos. Ou talvez porque crescemos mal.


Mas há uma verdade que aprendi: nem tudo o que é bonito foi feito para durar. Há pessoas que vêm com prazo de validade emocional, mesmo que não saibamos. Estão destinadas a ser capítulos, não livros. E o erro é nosso, quando insistimos em querer eternidade nas coisas que nasceram só para ser um verão inesquecível, uma noite longa, uma gargalhada sem explicação.

E, por mais que doa, há uma certa paz nisso. Saber que houve um tempo em que tudo foi leve, e que, mesmo que nunca volte, foi real. Porque se há algo mais triste do que perder alguém, é nunca ter tido um momento para perder.


No fundo, talvez a vida seja isso; uma coleção de pessoas que entram, mudam tudo e desaparecem, deixando-nos um bocadinho diferentes, um bocadinho mais cínicos, e, paradoxalmente, com mais fé no que vem a seguir. E talvez não precisemos de finais para validar o que foi. Às vezes, as melhores histórias terminam a meio de uma frase, e continuam dentro de nós, em forma de memória.


E eu fico a pensar… talvez os fantasmas das boas memórias não estejam aqui para nos assombrar, mas para nos lembrar que, por um breve instante, fomos verdadeiramente felizes.


0 Kudos

Comments

Displaying 0 of 0 comments ( View all | Add Comment )