Há uma altura da vida em que deixamos de acreditar em grandes começos. Já não há aquela excitação inocente de quem acha que tudo pode ser novo; só a sensação de déjà-vu, como se cada história viesse com legendas que já conhecemos de cor. Talvez devesse-se trocar o nome da cidade de Lisboa para Lis Mais-do-Mesmo, porque de boa já não tem nada.
É sempre o mesmo guião: duas pessoas encontram-se, trocam olhares, promessas, playlists. No início é poesia, no fim é prosa administrativa. As mensagens passam de "mal posso esperar para te ver" para "depois falamos". E o amor, esse bicho raro, vai-se transformando numa sucessão de tentativas cada vez mais tímidas; como se estivéssemos todos cansados de começar do zero, mas incapazes de ficar sozinhos.
Ultimamente, confesso que me tornei cético. Não aquele cético divertido, que faz piadas sobre corações partidos; mas o outro, o que já nem se dá ao trabalho de tentar. O que observa o amor alheio com um misto de desconfiança e suspeita. O que vê casais de mãos dadas e pensa que um deles, em silêncio, já está a planear a saída.
E, claro, Lisboa não ajuda. É uma cidade que parece feita ppara o ramnce, mas vive de repetições. As ruas, os rostos, até os desastres emocionais; tudo parece ter acontecido antes, noutra esquina, com outro nome. A cada novo encontro, a mesma promessa disfarçada de acaso. E, por isso, quando alguém me fala em amor, já não sinto nada além de uma ligeira vontade de rir.
Mas ao que pparece, a unica excepção a esta regra é a Maria. A Maria é uma daquelas pessoas que ainda acredita. Que acha que o amor é uma escolha diária, e não um acidente biológico. E, recentemente, começou a namorar. Quando me contou, fiz o que qualquer amigo desencantado faria: soltei um "que bom" automático, seguido de um gole de vinho e um pensamento pouco generoso: "lá sabe ela..."
Mas durou. E pior! Parecia sincero!
Fomos a uma festa juntos, e ela levou o namorado. E foi ai, entre copos e copos de cerveja e músicas que ninguém queria ouvir, que percebi uma coisa incrivel e muito estranha para mim: eles funcionavam. Não havia dramatismo, nem tentativas forçadas de serem o "casal perfeito". Havia só uma leveza desconcertante; aquela tranquilidade rara de quem está bem no presente, sem precisar de prometer sobre o futuro.
E eu, de repente, senti-me como se tivesse levado um grande baque e perdido o fôlego.
Não por maldade, mas porque ver alguém acreditar naquilo em que já não acreditamos é como assistir a um milagre e perceber que já não somos capazes de sentir fé. E, num piscar de olhos, percebi que o meu ceticismo talvez não fosse lucidez; e sim só medo disfarçado de sabedoria.
No dia seguinte, fui a um batismo. Ressacado, como quem expia pecados próprios com cerveja de graça. E, entre o cheiro a incenso, o meu cheiro a vomito ressecado, e o choro do bebé, não pude deixar de pensar: serei eu justamente cético, ou apenas alguém que desistiu cedo demais?
E, naquela igreja, enquanto segurava aquele bebé ao colo completamente ressacado, não pude deixar de desejar que aquela água de batismo lavasse não só o seu pecado original, mas também um pouco do meu cinismo original. Talvez o amor seja como aquela água de batismo; uma tentativa simbólica de começar denovo. E eu, que já me julgava imune a essas purificações, senti uma vontade estranha de acreditar outra vez.
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