Até certa extensão. A traição é feia, covarde, e deixa sempre um rasto que ninguém quer admitir ter deixado. Mas também é humana. E talvez seja aí que o desconforto mora... na constatação de que todos, em algum momento, já estivemos mais perto dela do que gostaríamos de reconhecer.
Porque às vezes o verdadeiro ponto de rutura não é um beijo escondido, mas o momento em que a pessoa que dorme ao nosso lado começa a mudar de tom, de pele, de ritmo. Quando o "nós" que conhecíamos se dissolve e sobra alguém que responde ao mesmo nome, mas parece outro. É aí que nasce o vazio, o intervalo onde cabe tudo o que ainda não se fez, mas já se pensa. Isto é, a necessidade.
A traição fisica é só a consequência visível de uma falta anterior - aquela em que deixamos de ser olhados da mesma forma, ou em que deixamos de reconhecer quem nos olha. Há quem lhe chame de desinteresse, há quem lhe chame de rotina, mas no fundo é só uma substituição emocional disfarçada de normalidade.
E é nesse silêncio, nesse espaço entre o "já não" e o "ainda sim", que muita gente cai. Não porque queria trair, mas porque já se sentia traído por uma ausência que ninguém teve coragem de admitir. O outro muda, o amor encolhe, e nós ficamos ali, presos a uma versão antiga de algo que já morreu - e é só justo procurar algo mais.
Ninguém gosta de dizer isto em voz alta, mas é mais fácil culpar a fraqueza momentânea do que encarar o luto do amor. Porque quando a pessoa que amávamos deixa de existir dentro da relação, a infidelidade é só a tradução desesperada de uma falta: o de querer sentir outra vez o que já se perdeu.
E sim, trair é inerentemente mau, mas é justificável em imensos casos. Talvez por ser, no fundo, uma tentativa de ressuscitar o que já morreu. É impossível negar que, muitas vezes, o primeiro erro não foi o da fuga, foi o da mudança.
Porque, antes de alguém trair, alguém deixou de ser o que prometeu ser.
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