Era terça à noite, e eu estava sentado no metro em Lisboa, daqueles que parecem existir só para nos lembrar de que, apesar de tudo, ainda ninguém sabe ler sozinho sem esperar que alguém repare. Oiço, no fundo, duas amigas a discutir sobre o ex de uma delas - bom , o clássico: "Ele mudou, juro que sim!". A verdade é que, quem come uma vez, come duas ou três vezes né.
Mas foi ali, entre as paginas do O Processo de Kafka e um comboio demasiado sonoro, que me apanhei a pensar: Será que as pessoas mudam mesmo? Ou será que nos convencemos disso porque precisamos de acreditar que não estamos a perder tempo?
Passamos a vida a tentar mudar: cortamos o cabelo, mudamos de cidade, compramos roupa nova, prometemos a nós próprios que desta vez é que é. Mas, por dentro, será que trocamos de pele ou só pintamos as paredes?
Bom, conheço pessoal que jura que sim: "O Henrique era muito gentil, agora já não o é." - e eu sorrio, não por cinicismo, mas por saber que ele não mudou, mas sim se revelou; e por saber que há quem viva uma vida inteira a repetir padrões, a trocar nomes, mas não de hábitos.
O problema não é mudar. É querer mudar. Mudar dá trabalho, dói, e desmonta o ego. Mudar é dizer desculpa e, mais difícil ainda, provar que o desculpa não é só uma palavra que se diz para adormecer a culpa.
E nós? Mudamos mesmo ou adaptamo-nos? Vivemos em contenda? Aprendemos a dizer o que o outro quer ouvir, a esconder as partes feias de nós próprios até alguém nos amar o suficiente para tolerá-las?
Gosto de pensar que, às vezes, as pessoas mudam - mas, quase sempre, mudam por medo de perder, e não por querer melhorar. E, no dia em que sentem que já não há risco, voltam a ser aquilo que sempre foram. E depois perdem. Talvez o truque seja encontrar alguém cuja pior versão ainda seja suportável, mas não há como descobrir no meio deste fumo que se chama perfomatividade.
Enquanto isso, chego à minha paragem, olho em volta e pergunto-me quantos de nós estamos aqui, sentados, a prometer a alguém que seremos diferentes... só para continuarmos iguais.
A verdade é que o essencial raramente se transforma. Há quem refina as arestas, quem aprenda a disfarçar a vaidade, a suavizar a frieza (como eu), a conter a impulsividade. Mas no fundo, continuamos a carregar a mesma teimosia.
Comments
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D'Venus☆
Primeiro, fico muito feliz de ver um post em português, e segundo, cara isso realmente é pensativo, as vezes acho que nos nunca mudamos, só revelamos vontades do nosso subconsciente que sempre estiveram lá, mas quanto mais crescemos, elas vão e ven
alyce
profundo