espetáculo da empatia

Eu vi uma garota chorando do outro lado da rua. Era o final da tarde de uma terça-feira, o tão aguardado fim do expediente; aquele momento maravilhoso no qual você pode sair do seu trabalho e enfim colocar uma música em seu fone, isso se não der o azar de estar com ele sem bateria. Fazia muito frio, um contraste com o que a previsão do tempo havia mostrado logo pela manhã - nem sempre eles acertam, não é? 

Pois bem, eu tinha chegado no ponto de ônibus há não muito tempo, ainda estava sozinho - isto faz parte da minha rotina; sempre sou o primeiro a chegar, mas com o passar dos minutos mais e mais pessoas aparecem - quando, então, notei uma moça que nunca havia visto do outro lado da via, também em um ponto de ônibus. Ela igualmente estava sozinha porém, diferente de mim, sequer prestava atenção aos arredores; era como se estivesse presa em seu próprio mundo, habitando em um plano diferente do nosso, dominada completamente por seus pensamentos. Estava cabisbaixa, com um olhar aflito. Foi então que ligou seu celular e, após encarar sua tela por alguns segundos que mais pareceram uma eternidade, não suportou mais. Lágrimas escorreram de seu rosto, lágrimas essas que pareciam a calma melodia de um piano, tristes notas que aumentavam o ritmo a medida em que o tempo passava; suas emoções rapidamente me comoveram.

Passava pela minha imaginação inúmeros motivos para ocasionar tal lamentação: acaso foi o término de um relacionamento? Podia esboçar em minha mente inúmeros cenários, poderia ter sido o fim de uma relação com um namorado que conhecera ainda na escola, quem sabe no começo do fundamental. Oh, que tristeza! E se, por acaso, fosse uma notícia ainda pior, como a morte de algum familiar? Talvez poderia ser algum acidente de carro, coisa não tão rara nesta região movimentada da capital; neste caso, pensei eu, desejo meus pêsames. Ah! E se, por acaso, ela tivesse se dado conta - mesmo que num sopro, de repente - que nada nesta vida é garantido, e que buscamos saber de tudo quando, na verdade, não conhecemos coisa alguma? Pior! E se, por acaso, ela percebeu que o ser humano é injusto, principalmente consigo? Que é o líder autoritário da própria vida, o ditador de si mesmo?

Pensei em ir até seu ponto e ajudá-la, confortando-a e dizendo que tudo iria ficar bem, mas em menos de meia hora meu ônibus iria aparecer. Foi então que notei as outras pessoas que chegaram, pessoas essas que sempre utilizavam este meio de transporte comigo; encaravam aquela menina e assistiam o seu sofrimento com olhos que demonstravam empatia mas também entretenimento, como se aquilo fosse um espetáculo - ora, o espetáculo da tragédia.

"Por que não a ajudam?" Pensei. "Hipócritas! E se fossem vocês naquele lugar?" Estas eram minhas indagações. Observavam-na como se fosse um episódio de novela, daqueles em que você tenta entender o motivo que levou certo personagem a ter uma reação. 

E enfim chegou o veículo que me levaria para casa.


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Comments

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soupferret

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Watching someone and contemplating their despair, empathetic yet entertained enough to recount the event later in writing- only to watch others juggle empathy and entertainment towards the same predicament and calling it hypocrisy,,

I like this. I like this a lot. ( ˶ˆᗜˆ˵ )


If the irony was not the intention,, I apologize, this wasn't meant to be criticism ( •̯́ ₃ •̯̀)


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dont worry, that was the intention!
also, thank you so much!! coming from you, who heavily inspires me, it means a lot [:

by not_ian; ; Report