Assisti à biografia do Pete Burns ontem, após me interessar pelas nossas semelhanças astrológicas, e fui tomado por uma tristeza difícil de descrever. É duro ver alguém tão inteligente e sensível ter sua complexidade apagada e resumida a uma figura escandalosa, esquecida pela indústria que um dia o explorou. Pete cresceu em Londres, filho de uma mãe judia que fugiu da Alemanha nazista. Desde cedo sofreu bullying, conviveu com uma mãe depressiva, encontrou na expressão de gênero um abrigo e acabou empurrado ao sucesso por necessidade financeira. Entrou numa banda e, “acidentalmente”, virou cantor. Mesmo tendo criado algo marcante com o Dead or Alive, ele dizia que música nunca foi sua paixão, era apenas trabalho. Mas ainda assim, era um artista em tudo: na estética, na postura, na forma intensa e provocadora de existir, em como mencionava com profundidade cada banda que conheceu na cena e dissertava sobre elas com um conhecimento fascinante.
“On reflection I think the 1980s were a dreadful, abysmal time… I can’t think of much joy it brought me. It brought me loss of privacy, tax problems, the joy of the sausage factory of homogenised pop artists… You shouldn’t inflict yourself on the public when your fifteen minutes is up.”
Após o auge, faliu pela recuperação dificil e cara das complicações por uma infecção em uma das cirurgias plásticas e recorreu ao Celebrity Big Brother em 2006. Foi ali que a mídia o transformou de vez em espetáculo. Sua ambiguidade de gênero virou polêmica, sua franqueza virou histeria e suas cirurgias plásticas viraram motivo de deboche. Ao invés de verem uma figura complexa que desafiava padrões, preferiram pintá-lo como uma aberração. O que mais me tocou é que ele nunca pareceu ter se perdido de si, apesar da nossa tendência a criar personas, como mencionei no texto acima. Em entrevistas até o fim da vida, manteve a mesma lucidez sarcástica, o mesmo olhar afiado e a sinceridade grosseira de quem tem Ashlesha no mapa. Nunca pediu desculpas por existir da forma que existia. E isso, pra mim, é raro, e profundamente admirável.
“[People] always want to know – am I gay, bi, trans or what? I say, forget all that. There’s got to be a completely different terminology and I’m not aware if it’s been invented yet. I’m just Pete.”
Pete foi vítima de uma mídia que não sabe lidar com o que escapa. Não teve dinheiro para pagar pelo próprio funeral, que foi financiado pelo Boy George, o qual teve rixa por anos. Sua genialidade na expressão de gênero, sua leitura crítica do sucesso e sua dor nunca foram compreendidas. Só me resta lamentar por tê-lo ignorado, mas agora poder falar sobre ele aqui no canal e em futuras conversas.
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