Caixa entregue, no trem fronteiriço para o leste.
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Erika, minha doce irmã.
Sei que as horas têm sido frias, mais frias do que qualquer inverno que já suportamos — mas o que mais me aflige não é o frio lá fora, é o pensamento de ti, tão pequena, tão longe, com olhos de chuva e sem as mãos que antes te protegiam.
Perdoa-me por ter permitido que te levassem. Disseram que era para tua segurança — e mesmo isso, não sei mais o que significa. Eu me despedi de ti como um menino, mas hoje, enquanto escrevo esta carta e dobro meu uniforme recém-entregue, percebo que estou tentando vestir um homem que ainda não sou.
Quando te vi partir, calada, carregando a pequena mala e aquele medo nos olhos, algo em mim se quebrou. Ainda escuto o som do portão do trem se fechando como se fosse o trinco de uma cela. Desde então, escrevo para ti, mesmo que ninguém me permita enviar cartas. Talvez esta nem chegue, mas preciso acreditar que sim, mesmo que o mundo esteja agora do avesso.
Imagino-te olhando pela janela de algum quarto em silêncio, os dias passando como sombras sobre a neve, e tudo o que desejo é que encontres uma forma de sorrir, mesmo que seja só por dentro, mesmo que não haja ninguém ao teu redor para ver. Erika, guarda teu riso como se fosse um relicário. Não o percas. Não deixes que este mundo, feito de homens partidos, roube de ti aquilo que é teu por direito: tua luz. Teu coração deve permanecer inocente, mesmo que o meu já esteja começando a se curvar.
Prometo esperar por ti.
Prometo resistir, mesmo quando eu não quiser mais.
E quando este pesadelo se dissipar — e ele vai — voltaremos a caminharj untos.
Até lá, sorri. Mesmo que doa. Sorri por mim, por nós.
Nos veremos em um dia de alegre, em algum lugar da Polônia, livre da guerra.
(10 de Setembro de 1939)
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