Olha, eu sei que passear pela cidade à noite não é uma boa ideia, especialmente aqui onde eu moro. É engraçado pensar, mas as pessoas inventam um monte de coisa, sabia? Veja bem, esses dias mesmo falaram que um idoso - outros disseram que era um adolescente - foi morto no beco que fica perto da igreja na avenida principal; o frentista do posto onde comprei esse meu energético, que aliás está bem mais caro que o normal, me disse que o pobre coitado foi esfaqueado. Sim, obviamente fiquei horrorizado, mas ele me contou o caso até com certa animação; achei um contraste curioso. É claro, com tantos "casos" de gente morrendo nesse bairro, não é de se duvidar que certas pessoas percam a sensibilidade.
Isso, pelo menos, foi o que meu finado amigo psicólogo disse - aliás, que descanse em paz - sobre essa questão estranha. Segundo ele, ao ser exposto constantemente por determinadas situações, o cérebro passa a desenvolver certo costume à elas. Realmente, é um tema complexo se for destrinchar detalhe por detalhe; mas meu amigo explicava da forma mais simples possível. Devo dizer, sua inteligência sempre foi notável, ele era um sujeito que sabia analisar as pessoas muito bem, e parecia ter olhos bem mais brilhosos que o normal. Foi uma amizade curta porém muito proveitosa; graças às nossas conversas noturnas aprendi muito sobre o ser humano e como as ações moldam uma pessoa - um tema apaixonante, eu diria. Infelizmente, ele se foi cedo demais: a minha primeira vítima.
Sabe, eu tenho sensibilidade à luz. Quanto mais forte ela for, pior é para mim; meus olhos não suportam tanta intensidade, mas isso já acontece há um bom tempo. Por conta disso, eu evito andar por essas ruas cheias de claridade. Mais à frente nessa via, virando a esquerda e seguindo reto por alguns metros, existe um barzinho que é bem popular com universitários de uma faculdade da região, que é referência nas áreas da saúde. Foi nesse mesmo bar que acabei conhecendo uma antiga amiga, hoje falecida, há alguns anos atrás - não que eu estivesse frequentando o lugar, muito pelo contrário: nunca fui de beber. Mas a história de como nos conhecemos foi bem engraçada. Veja bem, era uma noite calma de outubro depois de um dia inteiro de chuva que aconteceu, falando mais especificamente, no Halloween. Naquele dia eu estava sem meus óculos, mas isso não seria motivo de impedir minha caminhada noturna; por ser meu dia favorito do ano, decidi me presentear com um desejo sendo realizado: andar por estes becos tão iluminados. Andei e senti a irritação atingindo cada nervo óptico, mas um coração rebelde não liga para meros sentimentos indesejados. Eis que, mais a frente na rua, havia uma figura parecida com minha prima - prima essa que eu não via faziam bons anos, ou décadas até. Ela estava com uma taça de vinho na mão, e haviam várias pessoas em sua volta; ela parecia ser bem comunicativa e, mesmo estando meio alcoolizada, demonstrava um olhar doce não tão comum, mesmo naqueles dias que isso aconteceu. Decidi me aproximar, afinal, era minha prima... Não é? Infelizmente, foi depois de acenar para a moça e chegar mais perto que pude perceber -- eu não fazia a menor ideia de quem era aquela pessoa.
Já que estava ali, resolvi puxar assunto para disfarçar; agi como se já tivesse ouvido falar de todos, e acharam que eu era amigo de um colega deles que não chegou. Não só isso, também sentiram pena de mim, e disseram sobre como ele já havia feito isso outras vezes - acenei, concordei, culpei o sujeito. Eles não estavam reunidos apenas para aproveitar a noite nesta data tão curiosa, mas estavam comemorando o aniversário desta moça que acenei agora pouco. Definitivamente foi a primeira e única pessoa que conheci até hoje que nasceu neste dia, o que me chamou a atenção; naturalmente, sou atraído pelos traços mais diversos nas pessoas, tenho certa facilidade em orbitar nestes planetas tão interessantes. Quando era mais novo, me rebelei contra a ideia de estereótipos fixos nos seres humanos... Descobri que cada indivíduo possui traços únicos e consumíveis, e isso alimentou meu sentido de vida. Não me entenda errado, uma casca vazia como eu precisa de ser suprida ocasionalmente, mas confesso que ultimamente a gula tem sido um de meus grandes pecados.
preguiça de continuar - pra eu mesmo do futuro: não esquecer de terminar isso aqui. ou deixar assim mesmo, tanto faz na real
Comments
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SmogHotdog
I love the way you write, I'm not sure what exactly it is that's so enthralling to me.
whoa, i have seen you around on a lot of interesting blogs here on spacehey, so i am really honored that you enjoyed it. thanks for the comment!
by not_ian; ; Report
𝕻𝖗𝖎𝖘 ☦
Muito satisfatório de ler esse esboço de crônica. Muito bom mesmo!
não achei que alguém fosse ler tudo pra ser sincero kkkkkkk por isso, muito obrigado!
by not_ian; ; Report