Olhos d'água - Maria Conceição Evaristo

OIII gente, vamos intercalando as obras certo? Agora vai uma da nossa queridinha UNICAMP. Amo demais!! Esse livro eu até vi ele na FEBRACE, quando fui com a Duda, Rapha e Isadora, mas a menina que apresentou ele falou tão tão desanimada dele que ele parecia péssimo, e de verdade, não sei como ela entrou na FEBRACE, pois, esse livro merecia mais animação para falar bem melhor dele. Tive até alguns contos favoritos, aliás, um comentário bem aparte, mas, nossa a COMVEST e  a FUVEST resolveram que livros com vários contos pra esse ano seria uma ótima ideia 😍Não sei se concordo ou discordo delas. Vou discordar, pois, a fuvest é muito bipolar e não sabe se decidir, parece até eu.


Chega de enrolação e comentários que vocês não estão aqui para ver e sim para passar na faculdade uhuuu bora. 

OBS: Esse livro vai ser divido em vários blogs, pois, temos MUITOS contos e para não ficar cansativo e extenso, vou dividir o resumo de cada conto.




Quem é Maria da Conceição Evaristo de Brito?


Conceição Evaristo nasceu em uma comunidade da zona sul de Belo Horizonte. Ela precisou conciliar os estudos com o trabalho como empregada doméstica, até concluir o curso Normal em 1971, com 25 anos. Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde passou num concurso público para o magistério e estudou Letras na UFRJ.

Na década de 1980, entrou em contato com o grupo Quilombhoje e estreou na literatura em 1990, com obras publicadas na série Cadernos Negros, publicada pela organização. Além disso, ela se consagrou como Mestra em Literatura Brasileira pela PUC-Rio, e Doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense. 

Suas obras, em geral, abordam temas como a discriminação racial, de gênero e de classe.





Gente, esse livro também possui diversos contos, totalizando 15, então para não ficar muito extenso, vou resumir eles mas também tentar contar as partes principais de cada, para não perder a essência da escrita.


“Minha mãe sempre costurou a vida com fios de ferro”


Olhos d’água (segue muitos spoilers da obra)


Olhos d’água


Esse conto fala sobre uma filha que, no meio de uma noite (há muito tempo), acorda em prantos e desesperada com uma única pergunta na cabeça que ela não conseguia responder sozinha: “De que cor eram os olhos de minha mãe?”. Ela começa desesperadamente tentar lembrar, sem entender o motivo de ter esquecido algo tão básico que fazia parte de sua vida e que ela não entendia o porquê de não se lembrar.

Por uns momentos ela ficou pensando, refletindo sua vida inteira e todos os mínimos fatos que ela conseguia recordar. Além de ter sido a primeira das sete filhas de sua mãe, ela sempre aprendeu a passar por tudo sozinha, todas as dificuldades para poder ajudar a sua mãe, dessa forma, conhecê-la melhor. Sabia decifrar o seu silêncio melhor do que ninguém e até os gestos mais singelos. Internamente se enchia de culpa por não recordar a cor de seus olhos. Achava tudo muito estranho, pois lembrava de vários detalhes do corpo dela, a unha encravada do pé esquerdo, a verruga que existia no meio de seus cabelos, as histórias de sua infância….., mas por que não lembrava da cor de seus olhos?

Lembrava de todos os momentos bons com sua mãe, quando ela achou que essa mesma verruga era um carrapato e puxou enquanto ela dormia, e num susto a mesma acorda assustada e chorando de rir. Ou quando não havia comida para todos comerem e a mãe brincava mais ainda com as filhas nesses dias, para distrair a fome, e ela só enxergava a mãe rindo de uma maneira triste e com um sorriso molhado. E ainda havia momentos de temor quando chovia fortemente. Com os olhos alagados de prantos a mãe rezava para proteção de suas filhas. Então por que ela não conseguia lembrar da cor dos olhos dela?
E foi tomada pelo desespero que a filha decide retomar a sua cidade natal, para reencontrar a sua mãe, pois, precisava nunca mais esquecer a cor de seus olhos. Assim ela fez. Voltou, aflita, mas satisfeita. E após longos dias de viagem ela contemplou os olhos de sua mãe. Sabe o que ela viu? Somente lágrimas, porém, ela sorria feliz. Mas sua mãe chorava tanto que se perguntou se ela tinha olhos ou rios sobre a face. Então, somente nesse momento ela compreendeu. Os olhos de sua mãe traziam a cor de olhos d’água. Águas de Oxum. Rios calmos mas profundos.

Ambas se abraçam e suas lágrimas se misturam. Agora que ela já sabia a cor dos olhos de sua mãe, passou a tentar descobrir a cor dos olhos de sua filha. E quando ela menos esperava, sua filha sussurrou a pergunta: “Mãe, qual é a cor tão úmida de seus olhos?”


Ana Davenga

 

Era meia noite e Ana estava em casa, como um dia comum, até que batem em sua porta. Ela conhecia muito bem aquela batida, já sabia diferenciar as que representavam alguma notícia boa e outra não tão boa assim, então sem medo abriu a porta e deu se de cara com os homens de Davenga acompanhados de suas esposas. Sem mais nem menos, todos adentraram em sua casa, porém, alguém estava faltando. Onde estava ele? O seu homem? por que todos estavam ali menos ele? Será que estavam escondendo alguma  notícia ruim e não contavam para ela? Será que ele estava foragido novamente?

No início do relacionamento de Ana e Davenga, ela não foi recebida de braços abertos pelos homens dele, pois, todos ficavam com um pé atrás em relação de ter uma mulher dentro do quartel-general deles. Davenga era como se fosse um chefe e, pelo respeito que havia com ele, todos mantiveram-se calados em relação a Ana e qualquer pensamento indevido que teriam com a mulher. Ele estava completamente apaixonado por Ana, desde o dia que se conheceram numa roda de samba. 

Davenga gostava de colocar medo nos chefes, nos deputados e nos mandachuvas, por isso, era respeitado por todos e considerado o chefe. Então, por que só ele não estava lá? Ana Davenga começa a se desesperar até que ele entra alegre e abraçando ela. Confusa, ela pergunta o motivo da festa e ele rindo retruca dizendo “Mulher, tá pancada? Parece que bebe? Esqueceu da vida? Esqueceu de você?”.

Não, ela não tinha esquecido, mas também não sabia por que lembrar. Era a primeira vez na vida dela, uma festa de aniversário. Quando se deram conta já estavam todos festejando e horas haviam passado. Quando a madrugada firmou, Davenga mandou que todos se retirassem. Ana estava feliz. Só o seu homem para fazer aquilo. 

Enquanto ambos estavam deitados aproveitando a companhia um do outro, a porta abre violentamente com dois policiais. Eles mandam Davenga se vestir enquanto outro policial invade pela janela com uma metralhadora mirando em Ana que, rapidamente, leva a mão para a barriga.

Davenga tenta pegar junto com sua calça uma arma, na esperança de salvar Ana. Assim que ele se mexe, só é possível escutar a troca de tiros. No outro dia no noticiário, uma repórter lamenta a morte de um policial no serviço enquanto os companheiros de Davenga choravam pela morte do chefe e de Ana, que morrera ali na cama, metralhada, protegendo com as mãos um sonho de vida que ela trazia na barriga.

Em uma garrafa de cerveja cheia de água, um botão de rosa, que Ana Davenga havia recebido de seu homem, na festa primeira de seu aniversário, vinte e sete, se abria.


Duzu-Querença


Esse conto fala sobre Duzu que quando veio para a cidade ainda era menina e só tinha o mesmo sonho compartilhado junto de seu pai: uma nova oportunidade para viver. Seu pai era pescador mas o mesmo sonhava longe, acreditava que era necessário se modernizar e buscar novos dons e talentos e, foi com essa ideia, que ela e seus pais foram de trem até o centro da cidade. O homem acreditava que sua filha era talentosa e inteligente, por isso, colocou ela em um “pensionato” onde ela poderia aprender a escrever, ler e trabalhar para ter uma vida digna.

Enquanto Duzu trabalhava no pensionato, ela havia aprendido diversas coisas que ainda não entendia por ser criança. Ela via várias mulheres entrando e saindo super maquiadas e diversas vezes acompanhadas por homens. Ela de vez em quando espionava pelas frestas das portas o que os homens estavam fazendo no quarto e ela nunca entendia o porquê eles ficavam dormindo em cima das mulheres ou embaixo delas. Uma vez ela até arriscou entrar em um quarto e quando um homem ameaça tocá-la, a mulher que estava com ele imediatamente o repreende e diz que ela é só uma menina, contudo, isso não o impede de dar um dinheiro para a garota antes dele ir embora. Duzu mesmo sendo expulsa do quarto naquela hora, manteve-se curiosa para entender o que estavam fazendo e toda vez ela ia para o quarto da moça na esperança de encontrar o homem que lhe dera dinheiro. Um dia ela o encontra e ele pede para se aproximar. Quando chega perto, o homem coloca a mão em seu seio. Ela tinha gosto e medo. Era estranho, mas era bom. Depois disso ela ganhou muito dinheiro.

Duzu começou a voltar sempre. Ela vinha entrando cheia de medo e desespero. Um dia o homem estava sozinho na cama e a agarra carregando ela. Ela não entendia nada, mas continuava a ganhar mais e mais dinheiro. Em um desses dias, quem entrou no quarto foi a dona do pensionato que gritava com ela pelo fato dela estar ganhando dinheiro debaixo do teto dela e não estar pagando. Depois desse dia ela passou a entender o motivo do homem sempre lhe dar dinheiro, do por que existiam tantos quartos, tantas mulheres e por que nunca mais havia visto seus pais. Duzu acostumou-se com essa vida, com as pancadas, os chutes e até com a gravidez de diversos filhos, no total nove.

Quando Duzu largou aquele pensionato passou a viver na rua, comendo restos e vivendo na frente da igreja. Por causa de seus filhos, ela tinha vários netos, porém, somente três se faziam presentes em sua vida: Tático, Querença e Angélico. Tático foi um dos que morreu com treze anos devido ao envolvimento com um grupo inimigo. A mulher já delirava no fim de sua vida, acreditando que sobrevoava o morro, o mar e a cidade. Na época de carnaval, acreditava que poderia entrar junto das baianas. 

Enquanto ela dançava e relembrava de todos os seus ausentes, a menina Querença passava por sua cabeça. Ela se enxergava na menina que crescia e crescia. A avó queria somente que a menina pudesse ter o que ela nunca conseguiu. Quando a menina soube da passagem da avó, ela havia acabado de chegar da escola. Subitamente se sentiu assistida e visitada por antepassados que ela nem conhecia. E foi no delírio da avó que Querença haveria de sempre umedecer seus sonhos para que eles florescessem e se cumprissem vivos e reais. Era preciso reinventar a vida, encontrar novos caminhos. Ela estava estudando e ensinava um grupo de menores na comunidade. Conquistando aquela luta, que sua avó, desde sempre, desejou poder viver.



Maria


Maria estava parada há mais de meia hora no ponto de ônibus. Estava cansada de esperar. Se a distância fosse menor, teria ido a pé. Era preciso mesmo ir se acostumando com a caminhada . O preço da passagem estava aumentando tanto. Além do cansaço, a sacola estava pesada. No dia anterior, no Domingo, havia tido festa na casa da patroa e ela levou de volta para casa os restos. Estava feliz, apesar do cansaço. Os dois filhos menores, que estavam sendo cuidados pelo irmão mais velho, estavam muito gripados e ela precisava comprar xarope para desentupir o nariz. 

Quando o ônibus apontou na esquina, Maria abaixou o corpo, pegando a sacola que estava no chão entre as suas pernas. O ônibus não estava cheio, havia lugares, então ela pode descansar um pouco. Ao entrar, um homem levantou lá de trás, do último banco, fazendo a passagem dele e de Maria. Ela senta um banco na frente dele. Ela o reconheceu. Ela se lembrou do passado. Do homem deitado com ela. Ele continuava o mesmo, o pai de seu filho. O homem falava com ela, perguntava sobre sua vida, como ela estava e sobre a falta que fazia em seu peito sem tê-la. Depois de falar, ele diz no fim para mandar um beijo, um abraço e um carinho no filho. E, logo após, levantou rápido sacando a arma. Outro homem grita junto com ele que era um assalto 

Maria estava com medo. Não dos Assaltantes e sim da vida. Tinha três filhos. O mais velho, com onze anos, era filho daquele homem que estava ali na frente com uma arma na mão. Após os assaltantes pegarem os pertences, eles descem do ônibus sem terem incomodado Maria. Alguém grita xingando de Puta Safada e que ela conhecia os assaltantes. Ela assustada não entende. Não conhecia os assaltantes, somente o pai de seu filho. Outra voz diz “Negra safada, vai ver que estava de coleio com os dois”. Outra voz vinda do fundo acrescentou: “Calma gente! Se ela estivesse junto ela teria descido.”

Ninguém se importava se ela conhecia ou não, o fato de não ter sido assaltada incomodava. Alguém gritou: “Lincha! Lincha!”. Uns passageiros desceram e outros voaram em direção à Maria. O motorista tinha parado o ônibus para defender a passageira: “Calma pessoal! Que loucura é esta? Eu conheço essa mulher de vista. Todos os dias, mais ou menos neste horário, ela toma o ônibus comigo. Está vindo do trabalho, da luta para sustentar os filhos.”

Maria punha sangue pela boca, nariz e ouvidos. A sacola havia arrebentado e as frutas rolavam pelo chão. Tudo foi tão rápido, tão breve. Por que estavam fazendo isso com ela? O homem havia segredado um abraço, um beijo, um carinho no filho. Ela precisava chegar em casa para transmitir o recado. Quando o ônibus esvaziou, quando chegou a polícia, o corpo da mulher estava todo dilacerado. Maria queria tanto dizer ao filho que o pai havia mandado um abraço, um beijo, um carinho.


Quantos filhos Natalina teve?

 

Natalina teve quatro gestações durante a sua vida e, quase todas, ela odiou. Seu primeiro filho surgiu das brincadeiras que ela fazia com Bilico, um amigo com o qual ela aprendeu que pelo mesmo lugar que sentia dor também se fazia o prazer. Eles ainda eram jovens, com quatorze anos, quando natalina percebeu que sua barriga crescia sem parar. Desesperada pedia ajuda para mãe. Não queria ter aquele filho, não queria que Bilico soubesse e muito menos o seu pai. A mãe compreendia e também não conseguia cuidar do filho da filha, visto que, ela mesma já tinha outros sete filhos em casa além do pai para alimentar. 

Natalina começa a beber o chá que vê a mãe fazendo, para se livrar do “troço”, contudo, isso não resolve, mesmo com a própria mãe preparando as bebidas para a filha. A mãe desesperada resolve levar a filha para a conhecida Sá Praxedes que, segundo todas as crianças que cresciam na comunidade, era a senhora que comia os bebês. Natalina se desespera ao ouvir que a mãe queria levará a Sá Praxedes. Ela não queria o filho, mas não queria que ele fosse comido pela senhora. Ela sabia que algumas mulheres entravam lá com grandes barrigas e saiam felizes com um nenê nas mãos ou entravam com grandes barrigas e saiam de lá vazias sem nada. Desesperada, ela decide um dia fugir enquanto a mãe sai de casa. Dessa forma, ela embarca em um trem junto com outra menina que também estava grávida. Quando chega em um hospital, Natalina dá a luz ao menino e informa que não gostaria de cuidar dele o que, para uma enfermeira, era uma alegria, visto que, ela pediu para Natalina se poderia ficar com a criança. Ela concorda e aceita rapidamente, saindo feliz do hospital, como se tivesse dado uma boneca que ela não queria para alguém que gostasse.

Na segunda barriga, Natalina já estava mais esperta. Ela não brincava de forma descuidada e sempre bebia os chás de sua mãe, que continuavam funcionando sem nenhum problema. Até que uma semente teimosa vingou e ela não conseguia fazer mais nada. Ela tentou disfarçar para o companheiro Tonho que acompanhava e vivia com ela, porém, ele viu a saliência de sua barriga e que ela estava com um comportamento meio estranho, principalmente, o vômito que ela deu por sentir o cheiro de pipoca. Muito animado, Tonho pergunta o que era isso e Natalina que já se sentia mal se desculpava por não ter conseguido fazer nada. O homem pede para ela parar e fica muito feliz com a notícia, dizendo para a mulher que eles formariam uma linda família e cuidariam da criança juntos. A partir deste momento, Natalina para de se preocupar com a criança que crescia em seu ventre e começava a refletir que não queria morar com Tonho. Ela  o amava mas não gostaria de montar uma família com ele. Depois de explicar isto para o moço e a criança nascer, ele fica muito chateado e sem entender, já que, acreditava que o sonho de toda mulher era ter uma família feliz. Tonho pega o filho rejeitado por Natalina e leva a criança para o interior, onde ele viveria com a família.

Na terceira barriga, Natalina também não queria. Quem quis foi o casal para quem Natalina trabalhava. Os dois viviam bem. Viajavam de tempos em tempos. Um dia, enquanto divagava em seus sonhos, o telefone tocou. Era a patroa que ligava, em prantos, e lhe pedia ajuda. Ela queria e precisava ter um filho. Daí a uns dias, a patroa voltou. Natalina ouviu e entendeu tudo. A mulher queria um filho e não conseguia. Tudo certo. Deitaria com o patrão tantas vezes fosse preciso. A patroa de Natalina passou a viajar sozinha. O patrão ficava no quarto dele, de noite levantava e ia buscar Natalina no quarto da empregada. Não falavam nada, naqueles encontros de prazer comedido. Os três buscaram a gravidez durante meses. Um dia as regras de Natalina não desceram. A patroa animada logo mandou ela fazer o teste. O exame deu positivo, os três estavam grávidos. O patrão voltou a viajar e a patroa ficava o tempo todo com Natalina. Contratou outra empregada para ajudar e fazia de tudo pela mulher, ajudava a comer, a se divertir e ficava constantemente medindo o tamanho da barriga que crescia. Natalina não aguentava e ficava com enjoo e vontade de vomitar toda hora por causa das reações do casal. Tudo passava lento, os nove meses de eternidade. Ela tinha vergonha de si mesma e deles. Um dia a criança nasceu, fraca e bela. Sobreviveu. Os pais choravam aflitos. Natalina quase morreu. Tinha os seios vazios, nenhum vestígio de leite para amamentar o filho da outra. Para seu próprio alívio, após o nascimento, foi esquecida pelos dois.

Na última gravidez, ela não devia nada a ninguém. Agora teria um filho que seria só seu, sem ameaça de pai, de mãe, de Sá Praxedes ou de companheiro algum. O filho de Natalina continuava bulindo na barriga da mãe como se estivesse acompanhando também a busca que ela fazia na memória. Queria relembrar o caminho percorrido pelo carro. Um trajeto que não pôde ver, pois tinha os olhos vendados pelos homens que chegaram de repente ao seu barraco e a dominaram com força, perguntando de seu irmão. Ela não tinha irmão algum. Saíra de casa anos atrás, deixando as seis irmãs. Os homens insistiam. Berravam dizendo que era pior e que não adiantava nada ela não dizer a verdade. As mãos amarradas doíam. Em um dado momento, o carro passou a sair da estrada para entrar no mato. O homem desceu do carro, puxou-a violentamente e jogou-a no chão. Ela abusou de Natalina e, quase na hora do gozo, arrancou as vendas de seus olhos. Ela tremia de medo. Quando o homem chegou em seu ápice, ele caiu sonolento ao lado de Natalina. Foi quando, ao se afastar dele, ela se esbarrou com algo no chão. O movimento foi tão rápido que pegou a arma e deu um tiro certeiro nele. Ela fugiu. Guardou tudo para si. Para quem ia dizer? O que fazer? Só guardou o ódio, a vergonha, o pavor, a dor de ter sido violentada. 

Guardou mais do que a coragem da vingança na defesa. Guardou a semente invasora daquele homem. Poucos meses depois, Natalina se  descobre grávida. Estava feliz. Estava ansiosa para olhar aquele filho e não ver a marca de ninguém, talvez nem mesmo dela. Agora, saíra de outra cidade fugindo do comparsa de um homem que ela havia matado. Sabia que o perigo existia, mas estava feliz. Brevemente, iria parir um filho. Um filho que fora concebido nos frágeis limites da vida e da morte.


(vocês lendo)


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