Sei que são primárias as minhas frases. Escrevo com amor demais por elas e esse amor supre as faltas. O que escrevo é só um clímax. Meus dias são só um clímax. Vivo à beira. Escrevo por profundamente querer falar. Sei que o meu olhar deve ser o de uma pessoa primitiva que se entrega toda ao mundo, primitiva como os deuses. Não é confortável o que te escrevo e não te sou e me sou confortável. Escrevo-te como exercício. O que te falo é puro presente e é sempre atual. O outro lado do qual mal escapei tornou-se sagrado. Ninguém saberá de nada. O que sei é tão volátil e quase inexistente que fica entre mim e eu. Não estou brincando com palavras. Encarno-me nas frases. Ai de mim, que tanto morro. Tenho, por dom, a paixão. Expresso a mim e a ti os meus desejos mais ocultos e consigo, com as palavras, uma orgíaca beleza confusa. Estremeço de prazer por entre a novidade de usar palavras que formam o intenso. Deixo-me acontecer. O que te escrevo não vem do manso, subindo aos poucos até um auge para depois ir morrendo manso. Não, o que te escrevo é de fogo, como olhos em brasa. Nasci. Pausa. Maravilhoso escândalo. Nasço. Eu me aprofundei em mim e encontrei que eu quero uma vida sangrenta. Pesadelos obscenos e ventos doentios. Preciso terrivelmente de você. Estou tão grave que vou parar. Olhei para você fixamente por uns instantes. Estado agudo de felicidade.
-Clarice Lispector
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