acordei abatido hoje, quase prevendo que algo estava errado. Fui pra escola mesmo assim.
Algo estava errado, eu podia sentir se alastrando por mim, enquanto eu tentava o afogar. Sentia a melancolia subir pelo meu intestino, tentando alcançar minha mente. Mas era a escola. Não podia deixar que a melancolia das semanas me pegasse ali.
B estava longe, conversando com elas. Eu deveria estar lá também. Deveria estar ao lado de todos, rindo. Mas eu não fui. Fiquei no canto, lendo. Sempre fui só eu e meus livros no final, não é? Eles são tudo que são verdadeiramente meus, no fim das contas.
No fim da terceira aula, eu já sentia aquilo tocar meus nervos, acionando botões de sentimentos que eu não queria deixar escapar. Afogue se no livro. Tentei. Mas não conseguia. Tentei deitar a cabeça, abafando as vozes, mas isso só piorou. Quando bateu o sinal, esperei por B. Talvez ela me animasse no recreio, recuando essa fumaça laranja que ameaçava manchar minha pele. Mas não. B foi andando, andando para longe, andando para você.
então eu vi você.
e chorei.
chorei.
chorei.
chorei.
Fui para o banheiro e chorei. Senti meu livro molhar em minhas mãos enquanto eu tentava desesperadamente afundar aquele sentimento nas palavras escritas. Mas eu estava sozinho, como sempre estive. E agora você estava em minha mente. E as lágrimas não paravam de sair. Não poderiam. Pois era você. Você em meu caderno, você em minha mente. Você com meus amigos. Você. Sempre você. E eu chorei, M. Chorei pelo resto do dia. Falei com minha mae nesse meio tempo, chorando e chorando mares de lágrimas alaranjadas. A cada palavra escrita mais lágrimas escorriam. Você não estava lá. Nunca está.
As meninas notaram, é claro que notaram. Não tinha como esconder.
"você tá bem?"
"estou."
se fosse vc, você perguntaria: "você está bem, Nath?" e eu responderia que sim. Mas você saberia. Você veria a unha cravada em meu braço e me impediria. E então ficaria em silêncio. Mas ao meu lado, segurando-me. Você faria isso. Mas não fez hoje, pq vc não está mais aqui.
Na última aula fomos para o laboratório. Peguei meu celular e falei com minha mãe, pois eu estava desmoronando. Não conseguia parar de chorar. Falei para ela coisas que nunca disse, como me sentia com o abandono do meu irmão e como eu acho que meu pai me odiaria se soubesse de eu ser trans. E chorei. Muito. E eu estava cercado de pessoas. Perguntas foram feitas, me senti exposto. Eu queria que você estivesse lá, você é a única pessoa que eu queria que notasse quando eu choro. Você colocaria a mão em meu braço e ficaria em silêncio. Mas você não estava lá. Nunca está.
saio correndo quando bate o sinal. Choro na saída enquanto espero a van. Olho para o lado e então vejo-te. Ali. Bem ao meu lado. Mas não é para mim que você olha, e sim para sua nova melhor amiga. Que não sou eu.
sinto lágrimas escorrerem, mas não desvio o olhar de você. É isso que percebi em você enquanto te observava: 1-voce trocou de tênis, tenho ctz que você se arrependeu muito de ter comprado ele, pois é branco. 2-seu cabelo está muito comprido, mas sua franja ainda escorrega pelos seus olhos, cobrindo sua cara. 3- seu rosto é diferente do que eu lembro, quase apagado. 4-voce não consegue ficar parada, sempre se movimentando. Observando o arredor.
5- Você não olha para mim nem uma vez sequer.
sua nova melhor amiga olhou. Mas você? Não.
começo a morder minha mao. Mas você não está ao meu lado para impedir. Vocês atravessam a rua, ficando bem de frente para mim. Observou-te sem tirar o olhar de vc nem por um segundo. Você se apoia nela, olhando o celular dela. Algum meme? provavelmente. Depois de alguns segundos vocês se despedem. Vocês tocam as mãos como se fizessem isso sempre. Te vejo começar a se afastar. Te sigo com o olhar marejado.
e
você
não
olha
pra
mim.
você não olha.
nem por um momento desse dia.
você não olha.
eu chorei o dia inteiro, pensando em você.
e em nenhum momento...
você me enxergou...
em nenhum momento...
estou cansado.
você não irá voltar.
você não me viu ali, parado ao seu lado. Não quis ver.
eu estava ali.
chorando aos seus pés.
e você...
em nenhum momento...
com amor...Nath.
fazem 1 ano e 6 meses hoje.
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