ecossistema de conforto e culpa*, vc se apega mais ao ritual do que à pessoa e tudo isso vira uma coreografia de afeto, mas você dança com os olhos fechados, imaginando outra música.

vc realmente gosta dele ou gosta das sensações que ele te causa? em algum momento vc já sentiu aquele aperto no peito no breve momento em que percebeu que vc não é aquilo que gostaria? ou aquilo que seria suficientemente melhor para vc neste ciclo. 

vc pensa que não vai achar ninguém melhor do que ele, ninguém mais cuidadoso, amoroso. e ai sua vida passa diante dos seus olhos, enquanto você chega cansada do trabalho, assiste filmes de um gênero *especifico*, se imagina vivendo aquele romance *especifico*, talvez até pensando sobre uma pessoa *especifica*. 

vc ama estar com ele mas odeia seus próprios pensamentos quando está sozinha, não se reconhece mais. chora no banheiro do trabalho para depois lavar o rosto naquela pia minúscula, se enxugue rápido pois os clientes estão esperando seu atendimento.

sua solidão não cabe em um turno de oito horas.

seu namorado te leva no trabalho no dia seguinte, de carro, tão monótono. ele tem um cabelo bagunçado e um sorriso largo, fuma cigarro mas parece não gostar muito. vc se beijam no meio da avenida mas por dentro vc não gosta muito. e vc continua vendo os dias passarem diante dos seus olhos, mal tem tempo para terminar aquela série na qual ficou meses esperando a nova temporada. de repente vc sente de novo aquele famigerado incomodo no coração, parece que dói de verdade, mas o que doeria mais seria quebrar o coração dele. o seu já está despedaçado, nem importa mais. ele veio, colou alguns caquinhos, deixou a pá e vassoura encostadas na parede. todos os dias ele tenta juntar os pedaços de novo, porém é afiado, você não gosta, deixe esses cacos ai onde estão se não eles irão te machucar. mesmo se você não junta-los, eles irão te ferir, estão por toda parte... vão acabar furando o seu calcanhar, vc pensa.

 o presente para aqui, é o máximo que eu sei sobre vc até agora. hoje você conversou com aquela pessoa que talvez... talvez, tivesse sido. foi um quase, mais de parte dela do que da sua e vc não gosta de lembrar disso. se sente curiosa, como qualquer outra pessoa com o mínimo de hesitação. puxa assunto, as vezes, ela te responde rapidinho pois tbm sente a mesma curiosidade que vc. e se?... ela gosta de falar sobre filmes e tem um ótimo gosto 'pra tudo, não foi atoa que ela te beijou. vc elogia, ela se sente bem, tanto com o elogio e quanto com o contentamento de que *quase foi*. é aquele tipo de luto que nem vc entende, nenhuma de vcs duas na verdade.

 nunca conheci alguém tão parecido comigo, ela te diz. de repente você quer olhar o rosto dela mais uma vez, como da vez em que ela estava tão pertinho limpando o batom que manchava os seus lábios, no único momento em que vc a viu concentrada em algo pois ela não parava de falar. vc lembra disso, não é? ela tbm se lembra da forma como seu olhar foi parar do outro lado da rua, fazendo de tudo para evitar ela. vc não sabe disso mas ela quase te chamou pra sair, estava esperando cair o pagamento do mês, estava esperando vc dizer que não faria nada no sábado, estava esperando... esperando... 

outra coisa que vc não sabe, mas ela acha uma pena. uma pena que vcs não correram de mãos dadas pelas ruas da cidades, nem dançaram juntinhas igual *daquela vez*. ela não arrancou flores de um canteiro de uma casa bonita e chique apenas para te dar quando vcs caminhavam juntas. vcs não assistiram nenhum episódio daquele seu anime favorito e ela não te comprou um chaveiro das meninas superpoderosas. vcs não aprenderam uma coreografia *juntas* da música daquele grupo de artistas que vcs gostam em comum. vcs não dividiram nenhum maço enquanto conversavam sobre os filmes preferidos dela e suas teorias sobre aqueles que vc não entende o final. e tudo bem, nenhuma de vcs entende o que rolou, afinal. ela espera que vc esteja ao menos minimamente feliz, pois não é o tipo de pessoa que deseja o fim de um relacionamento apenas pela sua própria satisfação. mas no fundo tbm deseja que vc se sinta exatamente assim, como ela. frustrada, querendo se libertar arranhando as paredes finas de uma caixa. ela pede baixinho para que vc acorde amanhã morrendo de vontade de fugir junto com ela, e ela concorda em dirigir sem pensar duas vezes. e quando vc se libertar, quem sabe *amanha* vcs aproveitem a eternidade para viver tudo aquilo que ficou na imaginação, quem sabe um dia.  

registrarei o momento em que ela te entrega o chaveiro da florzinha, temos só a primeira parte da história. ela dói, mas é de vcs.