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Category: Books and Stories

O Rei Peste - E. A. Poe

O Rei Peste



Iniciei "O Rei Peste" repleta de  dúvidas — quem eram esses marinheiros deformados, estranhos, ao mesmo tempo engraçados e tristes? Importantes ou não, aparecem logo no começo e me incomodaram: não pela bizarrice, mas por detalhes demais - por uma profusão de minúcias.



Um deles, alcunhado Pernas Miseráveis, possuía membros inferiores atrofiados, braços curtos e espessos; o outro, de feição mais comum, mas igualmente imerso nesse universo deformado e desregrado A narrativa já iniciava com medidas, cifras, proporções... e eu, que detesto tal minúcia descritiva- medidas, números, tamanhos.



Perdida logo no começo me perguntando: eles são mesmo essenciais ou só distrações?



Vivia-se a era da peste, esse período tão impregnado de aroma de morte, decomposição, putrefação talvez fosse disso que vinha aquele odor enjoativo que subia pelos pés e calcanhares, um fedor que parecia grudar até nas próprias palavras do relato.



Questionava-me: será que eram só piratas fracassados fugindo da taverna porque não tinham dinheiro pra pagar a conta? Ou transcendiam essa condição - entes encantados, demônios disfarçados, ou quem sabe, divindades decaídas? Pairara sobre eles uma aura que ultrapassava o humano, uma força esquisita, nojenta, quase animal.



E o modo como lidavam com os mortos - tratando-os como "detritos" enquanto marchavam sobre seus cadáveres. A crueldade sem sentimento, como pisar no que já não vive.



O lugar era arrasador: mortos, doença, destruição. Um inferno? Não propriamente - mas quase uma representação dele. E aí veio o bizarro, a casa funerária, cheia de copos e vinhos, como uma festa doente no meio do apodrecimento. A história vai mostrando esse "reinado" de zumbis: o Presidente da Mesa, magro e alto, mais pálido e fraco que os personagens principais; um cavaleiro todo trêmulo de nervoso; uma mulher enorme, com rosto vermelho e inchado - de novo o bizarro toma conta, me afastando, repelindo-me e esgotando-me.



E eis a moça pequena, frágil, de humor ácido - e, como o texto diz, com tuberculose avançada. (Naquela época, a tuberculose matava lentamente, destruindo os pulmões, deixando as pessoas magras e pálidas como fantasmas.) Questiono-me: Fico pensando: ela representa a fragilidade humana diante da doença, ou é só mais uma caricatura nesse espetáculo de horror?



Sobre "host tun": "host" pode significar anfitrião ou a hóstia religiosa, mas no contexto narrativo parece ser mais um daqueles termos arcaicos ou escolhas tradutórias obscuras  ou traduções confusas da época.



E talvez esse seja a verdadeira essência de "O Rei Peste": uma narrativa que quer chocar mais que emocionar, causar nojo mais que aproximação. Um desfile de personagens exagerados e desumanos, um teatro do absurdo montado no meio da doença, da pobreza e do apodrecimento.



Fico com essa sensação: de ter passado por um lugar onde tudo é torto, exagerado, e onde a narrativa pouco importe narrativa pouco importe - o que vale mesmo é o incômodo que causa.





Por quem leu até onde o fôlego permitiu — e entendeu que nem sempre é preciso ir até o fim.


O Rei Peste (King Pest)

Publicado originalmente em setembro de 1835, na revista Southern Literary Messenger

(Escrito por Edgar Allan Poe em 1835)


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