A Reminiscência do Dr. Samuel Johnson
Há quem viva duzentos e vinte e oito anos - ou afirme ter vivido, no final fique só com a memória do tempo e nenhum calor. Foi isso o que encontrei em Uma Reminiscência de Dr. Samuel Johnson, de Lovecraft: um homem que atravessa séculos para, enfim, falar de coisas irrelevantes. Uma lista de nomes, feitos, ironias intelectuais, desavenças mesquinhas disfarçadas de erudição - como um convidado alheio ao banquete que não entende o cardápio.
Falaram de duques, poetas, filósofos… homens tão obcecados com sua imagem que esqueciam de viver. Sem o poder de identificar alma alguma. Cada nome, um degrau a mais na escada do tédio e na exclusão. Riam, zombavam, publicavam sátiras, julgavam-se - enquanto a dúvida persistia: quem são esses, e por que isso importaria?
Havia ali, talvez, uma tentativa de humor, mas restou apenas frieza. O narrador, velho ou já morto, lembrava dos amigos que se foram, dos filhos que cresceram, de uma juventude esquecida - e a questão permanecia: ele viveu de verdade, ou só sobreviveu ao tempo? Foi um homem, ou só um punhado de memórias?
E no meio disso, a pergunta que cortou como uma lâmina: como é possível ter existido tanto e expressado tão pouco? Como é possível percorrer séculos e deixar só um rastro vazio de nomes e citações?
A compreensão falhou - e talvez esse seja o verdadeiro legado do conto: o caos. O estranhamento. A sensação de que há portas que não devem ser abertas.
Ainda assim, o livro foi fechado com um suspiro - não de admiração, mas de cansaço.
E talvez seja só isso: algumas histórias não foram feitas para nós.
Por quem insiste, mas nem sempre encontra sentido.
De quem desejava encanto, mas encontrou silêncio.
Quem dessa vez, não soube o que sentir
A Reminiscência do Dr. Samuel Johnson
(A Reminiscence of Dr. Samuel Johnson)
Publicado originalmente em setembro de 1917, na revista The United Amateur
(Escrito por H. P. Lovecraft em 1917.)
Comments
Displaying 0 of 0 comments ( View all | Add Comment )