Desde o princípio, havia algo profundamente profano - uma inquietação que se insinuava entre as linhas, como um veneno lento a corromper a pena. O escritor (se é que ainda se podia chamá-lo assim) arrancava palavras não do papel, mas das suas próprias entranhas, cada sílaba um gemido, cada vírgula uma a ferida que não cicatrizaria. Não era mero sobrevivente; era alma condenada, espectro errante no limbo de seu próprio tempo. E antes mesmo que a narrativa mergulhasse nos abismos do inenarrável, já se pressagiava o desfecho funesto: ele ansiara pela morte. Não como libertação após horrores... mas como refúgio antecipado, último suspiro antes mesmo de profanar o mundo com seu relato amaldiçoado.
Era um homem assinalado pelo destino - um que escapara às garras de guerra apenas para ser devorado por um abismo mais primordial, mais insondável, mais inefável que qualquer campo de batalha. Arrebatado por mãos que nenhum mortal vê, libertado por vontades que nenhum mortal compreende - que força arcana o manteve cinco dias e cinco noites à mercê das ondas, seu corpo intacto mas sua alma em frangalhos? No ventre daquele mar sem nome, onde os pensamentos se transmutam em demônios sussurrantes e a solidão revela suas garras mais afiadas que a própria morte, ele flutuava - não como náufrago, mas como oferenda. Prisioneiro de sua própria mente apodrecida, das memórias que o roíam como vermes, e do horror que, ele sabia, aguardava apenas o pálido crepúsculo para revelar seu rosto.
O despertar sobre a lama foi o primeiro suspiro de seu inferno. Não mais o mar - apenas um pântano de putrefação e silêncio sepulcral. Nenhum murmúrio de vida, nenhum bater de asas, nenhum último vislumbre de esperança. Apenas terra morta, tão antiga que seu hálito cheirava a eras esquecidas, tão intocada que parecia ter sido gestada antes mesmo de Deus pronunciar "Faça-se a luz”.
Os sonhos o haviam advertido - Visões tão vívidas que deixavam cicatrizes na alma. Os pesadelos não eram meros delírios de uma mente febril... eram profecias, vozes sussurrantes que já conheciam o caminho de volta, como vermes rastejando de volta a um cadáver.
E a vastidão... aquela imensidão outrora preenchida pelo oceano agora jazia como uma chaga aberta no flanco do mundo, exalando vapores fétidos e regurgitando, em ondas de terra, os esqueletos daquilo que ali repousava desde os dias em que as estrelas ainda eram jovens. Ossos de criaturas sem nome, sim, mas também algo mais — algo que pulsava, que respirava nas profundezas, e que agora, lentamente, abria os olhos.
Ele avançou. E a cada passo, o mundo desfazia-se em seus olhos como um sonho febril, escorrendo em lágrimas salgadas e visões impuras. O ar, espesso e pútrido, grudava na garganta como um veneno antigo. Peixes mortos empalhavam-se na lama, brancos e inchados como relíquias blasfemas de uma era que as águas juraram esquecer. E no horizonte, manchando o céu como uma cicatriz - erguia-se o monte. Ele sabia, com a certeza fria de quem reconhece o próprio túmulo, que devia contemplá-lo. Pois ali, naquela colina deforme que desafiava a geometria da criação, pulsava o coração negro do pesadelo. O útero do horror. O altar onde realidade e loucura, como amantes condenados, entrelaçavam-se em união profana.
Ao escalar a rocha negra, arrastado por um impulso que já não pertencia a este mundo, seus olhos - agora adaptados às trevas como os de um cadáver desenterrado - divisaram os sinais. Hieróglifos tortuosos, entalhados não por mãos humanas, mas por algo que respirava nas profundezas quando a Terra ainda era jovem. Linguagem de culturas que jamais conheceram o sol, adoradoras de deuses cujos nomes fariam os oceanos retrocederem de terror.
E então... Das entranhas do abismo, algo estremeceu. Não um movimento, mas uma violação da própria realidade. Uma massa informe de carne ancestral irrompeu das trevas, desafinando o ar com sua presença. Não uma criatura, mas um conceito feito carne - onde terminava o corpo e começava a loucura, nenhuma mente sã poderia dizer.
Dagon.
O nome ecoou em seu crânio como um sino subaquático. Não um deus - pois que deus seria tão miseravelmente pequeno? - mas sim o pesadelo primordial do qual todos os outros pesadelos descendiam. A primeira blasfêmia contra o vazio. O abismo que olha de volta.
E no instante em que seus olhos se encontraram com aquelas órbitas sem luz, ele compreendeu a verdade mais horrenda: aquela visão não era nova. Sempre estivera lá. Desde o primeiro choro ao nascer. Desde o primeiro grito nos pesadelos infantis. Esperando. Lembrando. Reconhecendo-o.
Não houve grito. Nenhuma luta vã contra o inevitável. Apenas o súbito desfalecer da consciência - como se a mente, em último ato de piedade, houvesse cerrado as pesadas cortinas púrpuras da percepção antes que o espetáculo insuportável a reduzisse a fragmentos. Um desmaio que não era derrota, mas clemência divina; não fraqueza, mas o último suspiro da sanidade antes de sua dissolução eterna nas trevas.
Quando seus olhos se abriram, disseram-lhe que estava salvo. Ou talvez tivessem apenas ordenado que acreditasse nisso. As mãos que o arrancaram daquele lugar nada conheciam do que ele testemunhara - e quando, com língua trêmula, tentou descrever o indescritível, encontraram apenas motivo para escárnio. Cruel é o riso dos sãos quando dirigido àquele cujas pupilas ainda guardam os vestígios do Inominável! Então ele se calou. E no silêncio que se seguiu, sua alma começou a apodrecer por dentro, como fruta esquecida ao sol.
A morfina chegou então, doce e mentirosa, como único consolo possível - o abraço gelado que poderia, quiçá, afogar a memória em seu mar de esquecimento. Mas até ela, em sua clemência química, mostrou-se impotente. Pois há horrores que nem mesmo o ópio consegue apagar; há trevas que resistem a todos os bálsamos, e seguem vivas, pulsantes, nos porões mais profundos da mente - onde nenhuma luz, divina ou terrena, jamais conseguirá penetrar.
Dagon perseguiu-o - não através de passos mensuráveis, mas como uma sombra que se adere à alma. Uma presença inescapável, tão certa quanto o conhecimento hediondo de que aquilo que os olhos viram, a mente jamais poderia desver. A janela de seu quarto, outrora portal para o mundo dos vivos, transformara-se agora em altar profano, onde se celebravam os rituais de seus pesadelos.
E assim, no crepúsculo de sua razão, restavam-lhe apenas duas portas:
1. Aguardar, em agonia crescente, até que as garras do horror o arrastassem de volta às profundezas — onde coisas sem nome o aguardavam com paciência infinita.
2. Lançar-se, por vontade própria, nos braços do esquecimento - esse abismo silencioso onde nem mesmo os deuses poderiam segui-lo.
Ambas levavam ao mesmo fim. Ambas eram, no fundo, o mesmo destino. Pois que diferença faz o método, quando a loucura já coroou seu rei?
Talvez fosse loucura - quem poderia dizê-lo com certeza? Talvez não passasse de um sonho febril, desses que deixam a alma encharcada de suor frio ao despertar. Mas ele sabia, com aquela certeza visceral que nasce nas entranhas, não no intelecto. Pois existem horrores que dispensam evidências, como a noite dispensa explicações; terrores que se enraízam no espírito como hera venenosa em muro antigo, sugando a sanidade gota a gota.
E há verdades que o mundo moderno, em sua arrogância de relógios e ciência, jamais terá coragem de encarar. Verdades que sussurram nas cavernas mais profundas da psique, que assombram os intervalos entre um batimento cardíaco e outro, que se escondem no reflexo distorcido de espelhos embaçados pelo tempo. Verdades que, quando finalmente reveladas, fazem os loucos parecerem sãos... e os sãos, meros tolos que ainda não foram iniciados no verdadeiro horror da existência.
E assim, quando as últimas palavras ecoam e se dissipam como fumaça, resta-nos não a dúvida sobre o ocorrido - pois a verdade, ainda que monstruosa, é inegável - mas sim o terrível questionamento: o que mais aguarda, paciente e ancestral, nas profundezas insondáveis?
O mar hoje repousa plácido, sua superfície um espelho enganoso... mas quem ousaria jurar que não recuará novamente? Que não revelará, em sua próxima maré vazante, os segredos que engoliu por eras incontáveis? E quando o fizer, que horrores despertarão de seu sono úmido? Que criaturas, cujas formas desafiam a geometria da razão, arrastarão seus corpos viscosos para a luz do sol, ofendidos por sua claridade?
Pois o oceano não esquece. Ele apenas espera. E no fundo de suas fossas abissais, onde nem mesmo os deuses ousam mirar, algo muito antigo... algo que deveria permanecer oculto... continua a sonhar. E em seus sonhos, já nos vê.
Escrevo para não ser consumida pelo que sinto
Assinatura de uma alma que transborda.
Dagon (Dagon) Publicado originalmente em novembro de 1919, na revista The Vagrant. (Escrito por Lovecraft em julho de 1917.)
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