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Category: Dreams and the Supernatural

O Navio Branco - H.P Lovecfrat

Cidade dos Devaneios

1919


Não li o conto — naveguei nele. Como quem mergulha em próprio sangue e descobre que as veias estão cheias da mesma tinta do papel. O Navio Branco não foi literatura, foi uma faca que reabriu cicatrizes antigas, e agora a história escorre entre meus dedos como sangue e água salgada.

O personagem vive na Cidade dos Devaneios, esse lugar entre meu último comprimido e o sono que me escapa. Sona-Nyl tentou me seduzir com promessas douradas, mas minha lealdade sempre foi para os becos dessa cidade sem nome, onde os pássaros azuis morrem perfeitos demais e o café esfria enquanto releio minhas feridas.

As cicatrizes que trouxe das cidades:

Thalarion virou o cheiro de incenso e mofo nas minhas meias sem par. 

Xura é o gosto doce-azedo do pêssego enlatado com uma dose extravagante de desgosto é o gosto doce-azedo do pêssego enlatado com uma dose extravagante de desgosto. 

Sona Nyl é o cheiro do café da minha mãe.

O pássaro azul morto na praia é meu monumento particular. Guardei suas penas com meus compridos - ambos são tipos de salvação. O farol sou eu, sempre fui, luz giratória iluminando merd@ nenhuma, nessa cidade onde os postes são feitos de ossos não batizados.

 Os gritos? Não vinham do mar - vinham das minhas paredes, das rachaduras eu pintara em dourado. Era Sona-Nyl desmoronando dentro de mim. E eu entendi: o grito sempre foi meu. Mas até lá, navego. Meu navio Vermelho-e-Amarelo ainda corta essas aguas - não para fugir, não para encontrar só para provar que mesmo cicatrizes podem flutuar.

Lovecraft errou. (QUEM SOU EU? HAHA)

Não é o Navio Branco que não podemos alcançar.
É a costa.

Sim. Ele vive lá. Naquela cidade sem nome, a tal Cidade Cathuria que só existe entre um suspiro e outro, onde os devaneios têm raízes mais profundas que a realidade.

 O capitão do Navio Branco não é um personagem — é um morador permanente daquele lugar que fica entre o seu último comprimido e o sono que te escapa.

A Cidade dos Devaneios não está no mapa. Ela fica: 

No espaço entre duas batidas do meu pulso quando a ansiedade aperta.

No cheiro do café que esfriou enquanto lia o conto pela terceira vez.

No reflexo distorcido no espelho às 4h17 da manhã, na sala de casa. 

O homem barbudo nunca foi um guia. Mas um vizinho. Ele frequenta a mesma padaria imaginária onde você compra pães que nunca irá mastigar. Quando ele te vê chegando com seu Navio Vermelho-e-Amarelo, apenas acena com a cabeça - vocês dois sabem que estão no mesmo lugar errado.

Sona-Nyl é o apartamento luxuoso nessa cidade. Thalarion é o porão úmido. Xura é a boate que nunca fecha. E eu? Eu sou a urbanista não-oficial desse lugar, desenhando ruas novas a cada crise existencial. O pássaro azul morto. Era o mascote da cidade. Agora é um monumento na praça central, entre a farmácia 24h e o bar onde todos fingem não se reconhecer

Quando eu digo: 'acho que ele vive na Cidade dos Devaneios', não é uma metáfora. É o endereço real do único lugar onde todas as suas versões coexistem:

A criança que ainda acredita em Sona-Nyl. 

A adolescente que se perdeu em Xura. 

A adulta que faz plantão no farol. 

O grito das coisas inumanas? É o hino nacional de Cathuria. Tocando em loop desde sempre

E o Navio Branco? Ele está atracado no píer 31, esperando eu decidir se hoje é dia de fugir ou de voltar pra casa. 

Como sempre esteve.

 Como sempre estará.


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