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Category: Books and Stories

Contos do Grotesco e do Arabesco - Edgar Allan Poe.

O Duque de L'Omelette


Este conto diminuto em tamanho, mas infinito em perplexidade, já consumiu semanas de meu vigor mental - e ainda me chama de volta, como um cadáver que insiste em não apodrecer. Voltarei a ele, sim, com olhos renovados pela loucura, pois só a insanidade perscruta o abismo que a razão teme. :)


Há histórias que não se leem — devoram-se. E esse conto, foi servido por um chef canibal, serve-nos de entrada: o Duque em prataria dourada, disfarçando o sabor amargo da verdade com molho de ironia. O conto começa com a morte, mas não a morte romântica de Keats, que tombou como um verso inacabado. Não. O Duque morre como um epigrama: breve, ácido, e tão absurdo que só pode ser genial. Um pássaro-canoro, esse símbolo de liberdade e canto, torna-se o algoz de quem o aprisionou. O Duque não morre por um tiro ou punhal, mas por uma metáfora viva: a beleza, quando encarcerada, vira veneno.


Apício surge então, não como alívio cômico, mas como espelho quebrado. O gourmet romano que trocou a vida por banquetes é o alter-ego histórico do Duque. Enquanto um morreu por não suportar a pobreza, o outro pereceu por não suportar a abundância. Dois lados da mesma moeda falsa, cunhada no metal podre da vaidade. O banquete de Apício e a gaiola dourada do Duque são altares onde sacrificam o que têm de mais humano: a capacidade de sentir fome. Ambos se empanturram de coisas até sufocar, porque coisas são mais fáceis de dominar que sentimentos. Depender de excessos para preencher vazio só leva a mais destruição (o Duque e Apício são espelhos disso).



Eis o Inferno: (nada mais que o inferno de vaidade que os nobres vivem ) um teatro barroco onde o Diabo é o diretor que ri nos bastidores denominado Príncipe da mosca (que vem do hebraico Baal-Zebub). Já na Bíblia (2 Reis 1:2-3), é um deus filisteu associado a doença e decadência - moscas surgiam em corpos em decomposição-  mostrando que o Diabo é nojento por natureza. E agora o Duque, que se acha tão refinado, negocia com um "príncipe" de insetos.



 Quando ordena que o Duque se dispa, não quer nudez física — quer desnuda-lo das mentiras. Sua posição na sociedade como Príncipe de Foie-Gras, membro da Academia... (que é tudo inventado), suas roupas nobres vestes listadas pelo Duque ("pantalonas de Burbom", "robe de chambre de Rombêrt") não são tecidos, são epitáfios de algodão. Cada fio, uma mentira costurada; cada bordado, uma dívida não paga, rotulado como faturado. Recusar-se a despir é a última encenação de um ator que já esqueceu onde termina o palco e começa o abismo. (vaidade > medo do Inferno).


O jogo de cartas com o Diabo é o nosso prato principal. O Duque trapaceia, sim, mas a verdadeira trapaça já estava nas regras. O Inferno nao precisa de fraudes - ele é a fraude. As cartas são feitas de pele de suicidas, os dados são ossos de poetas fracassados, e o tabuleiro é um espelho. Quando o Duque "ganha", recebe seu premio além de retornar a vida: um omelete frio. não um prato, mas uma equação. 


ALMA (L'AME) + OMELLETTE = L'OMELLETTE



O Diabo nao precisa gritar 'vai se foder' - ele so empurra o orgulho na sua frente e espera você tropeçar. Quando você cai, ele nem ri... apenas anota seu nome no livro com aquela caligrafia elegante que deixa a humilhação mais amarga. O Duque nao percebe que comeu a si mesmo - sua essência reduzida a restos de cozinha, sua dignidade misturada a ovos estragados. A piada final não é de que ele fora enganado, mas que pagou para ser o protagonista de uma piada que ninguém ouvirá.


O omelete era o aviso final que o Duque não soube ler: sua vitória cheirava a podridão porque era podre. O Diabo, como o joalheiro que engasta veneno num anel, presenteou-o com a ilusão de escape. Cada acordara no caixão era um novo capitulo da mesma piada - e o Duque, eterno palhaço, sempre cairia no mesmo truque. Afinal, qual nobre não preferiria mil mortes a admitir que fora enganado? E aqui está a diferença entre conto e vida real: na ficção, o looping é eterno; na realidade, a fome pode ser saciada. O Duque acorda no caixão repetindo seu erro, mas nós, podemos fechar o livro. (DICA: No caso desse conto temos a opção de QUEIMA-LO). :)



Na vida real, sempre há possibilidade de mudança (o conto é uma sátira, não um destino). Podemos olhar para nossos próprios "pássaros-canoros" — sejam likes, posses ou máscaras sociais — e deixá-los cantar livres. Enquanto o Duque insiste em morrer de frescura, temos a escolha que o autor nega a ele: trocar o banquete da vaidade pelo pão simples da autenticidade. Até porquê nem na morte o nobre abandonaria suas ilusões. 


O Duque somos nós quando preferimos o aplauso ao abraço, o filtro ao rosto, o troféu à verdade. O Inferno não está nas chamas — está no loop de mentiras que repetimos por medo do silêncio.


Não pense que esqueci-me da sobremesa!!! 



O título "L’Omelette" é a piada final: sua alma virou comida. E no fim, todos viram comida para moscas.


Nobreza é doença sem cura. Até o Inferno tem pena.


FIM DO CONTO! 


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Espero que tenha gostado... vou ler de novo e ver se entendo MELHOR kkkkkk, obrigada pelo comentário!

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eu também...

by lucy; ; Report

obrigada pelo comentário Lucy! mande mensagem qualquer dia :)

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