Decidi falar, extremamente atrasada por sinal, sobre meu filme favorito da Disney e que foi material para minha completa devoção (ou obsessão, como minhas amigas gostam de chamar) por muito tempo.
O Corcunda de Notre Dame é simplesmente sensacional, mas teve um personagem em específico que roubou meu coração e, como dizem por aí, alugou um triplex na minha mente.
O grandíssimo Ministro da Justiça, Juiz Claude Frollo foi quem eu observei com tanto interesse, mas o que chamou minha atenção foi principalmente a sua música tema: Hellfire ou Fogo do Inferno.
A grandeza da cena é evidente desde o início, quando o cardeal e os frades recitam o Confiteor, uma oração de pedido de perdão a Deus. No momento em que Frollo declara: “Não é a mim, a quem culpar”, os frades estão entoando ao fundo a parte do “Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa”. Enquanto os clérigos reconhecem suas falhas, Frollo se recusa a enxergar os próprios pecados.
A cena é repleta de simbolismos. A lareira, representando o inferno, ocupa grande parte da narrativa. Frollo passa quase toda a música voltado para ela, enxergando a cigana como um demônio que o seduz e que está presente nas chamas do Inferno. Em contraste, na cena em que ele canta para Maria, pedindo ajuda para aliviar sua angústia, suas preces parecem ser respondidas: uma porta ao fundo se abre, deixando entrar uma luz clara que ilumina a sala e o tira de seu momento de lamúrias e então um soldado sem rosto traz a notícia de que a cigana fugiu. A porta, simbolizando os céus, está oposta à lareira, reforçando a escolha que ele deve fazer. O soldado, por sua vez, representa um anjo enviado por Maria, trazendo uma chance divina de redenção. No entanto, Frollo ignora a oportunidade. Ele vira as costas para a luz e para a porta do céu, voltando-se para a lareira e declarando que terá a cigana a qualquer custo. Esse gesto é decisivo: ele rejeita a salvação e, ao jogar o lenço de Esmeralda no fogo, simboliza que entregou sua alma ao inferno em troca de seus desejos.
A música também reflete o conflito interno de Frollo. Quando ele nega sua culpa cercado por figuras de capuzes vermelhos, as vozes ao fundo cantam em latim: “Mea culpa, mea culpa”. É como se os capuzes representassem seus próprios pensamentos, julgando-o enquanto ele tenta se isentar de responsabilidade. A mudança de cores na cena reforça essa dualidade: no início predominam os tons de azul, associados ao céu e à redenção, mas, ao final, os tons vermelhos do fogo do inferno tomam conta.
Essa dualidade é ressaltada ao comparar os corações de Frollo e Quasimodo e suas visões quanto ao amor. Enquanto Quasimodo vê a luz celestial (sua interpretação do amor e do desejo) como um anjo de bondade, Frollo a percebe como um feitiço ou um fogo do inferno. Ele é um personagem que simboliza arrogância e hipocrisia, sempre culpando os outros por suas ações, incapaz de admitir seus erros. Sua religiosidade superficial é uma crítica àqueles que frequentam igrejas, mas julgam, condenam e se consideram superiores, contrariando os próprios ensinamentos divinos.
A sutileza da letra e da interpretação também revela o erotismo que o personagem tanto acha repugnante vindo de Esmeralda, mas na realidade é hipnotizado por ele, no momento em que Frollo passa o lenço de Esmeralda em seu rosto. Seus sentimentos são claramente carnais, e ele a trata como um objeto belo e pecaminoso, culpando-a por sua incapacidade de controlar seus desejos. Esse comportamento reflete um machismo característico da época: ele se vê como justo e íntegro, enquanto a culpa recai sobre a mulher por “provocá-lo”.
A perfeição da cena está em como tudo se conecta: a música, os símbolos e as escolhas de Frollo mostram sua luta interna entre céu e inferno, desejo e redenção. Sua tragédia está na incapacidade de assumir a responsabilidade por suas ações, enquanto se entrega ao próprio orgulho e destruição.
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