Sempre colecionei coisas. Na infância, eram moedas, ''tazos'' e pedras encontradas ao acaso no caminho. Mas, na vida adulta, minhas coleções têm reforçado formas mais complexas, além do material.
Meu bisavô também colecionava moedas. Ele guardou sua coleção em uma cristaleira vintage de madeira, com duas portas inferiores que escondiam um segredo: uma enorme coleção de garrafinhas de destilados de 50ml. Eu amava aquelas garrafinhas. E, aos quase 10 anos, no auge da minha curiosidade (e da minha falta de ética infantil), eu roubei algumas e as bebia escondida, fascinada pela falsa sensação impunidade nas transgressoes.
Sempre gostei de coleções, talvez porque elas simbolizam um desejo de guardar algo que não queremos perder. Mas crescer me ensinou que, às vezes, podemos tornar parte das coleções alheias — e isso nem sempre é algo bom. Na adolescência, um homem mais velho me desejavam como um troféu, uma adição às suas "coleções". No começo, eu me impressionei com os presentes. Depois, percebi o quão doloroso poderia ser, como se me ensinou "empalhando viva".
Eu amo coleções, mas sei como é doloroso fazer parte de algumas delas.
Os dois grandes amores da minha vida também me deixaram marcas. Do primeiro, guardo as queimaduras que moldaram minha pele. Em segundo lugar, os vínculos que compartilhei. Aos 21 anos, depois de machucar minha amada e afastá-la da cocaína, minha melhor amiga chamou essa lembrança de "vício". Talvez ela esteja certa.
Toda vez que cheiro cocaína, toda vez que meu nariz sangra, lembro de como éramos grandes e fortes, mesmo debaixo do caos. Havia algo poderoso naquela confusão, como se fôssemos invencíveis.
Hoje, percebi que tenho colecionado mágoas. Elas não ficam em uma prateleira ou em uma caixa; dentro de mim, guardadas estão no meu coração. E, por mais que pesem, ainda são parte do que me faz ser quem sou.
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