Oiii gente, tudo bem? Bom, aqui nesse texto eu vou falar um pouco sobre o livro que eu li esse ano, um livro curto mas muito bom, “Assim na Terra Como embaixo da Terra”. É um livro bem reflexivo e que nos faz questionar principalmente sobre o sistema carcerário brasileiro e como houve uma permanência no método de “ressocialização” dos indivíduos em cárcere. No decorrer do texto eu vou dar alguns spoilers do livro, então caso não queira VOCÊ FOI AVISADO!! Vou também fazer algumas ligações com o Bauman(meu querido<3) e, principalmente, nosso amado Michel Foucault(amamos sua careca). Espero que tenha uma boa leitura!
O livro “Assim na terra como embaixo da terra”, da escritora brasileira Ana Paula Maia, enfatiza uma situação de permanência em lugares distintos. Tanto na terra como embaixo dela há algo que se mantém, nos dando a impressão de uma fatalidade da qual não é possível escapar.
O romance conta a história de um grupo de detentos dentro de uma colônia penal administrada pelo personagem Melquíades e por seu ajudante, Taborda. Os presos não sabem por que estão ali e o que significa ser transferido para a Colônia Penal, já que todos cumpriam pena em outro lugar. Na Colônia, estão submetidos aos caprichos e vontades do administrador, que adquire o gosto de matar os presos numa espécie de caçada. Alguns sabem que, se não elaborarem um plano de fuga, nunca sairão daquela Colônia vivos, como Bronco Gil, Pablo e Valdênio. Numa das últimas caçadas, Pablo consegue escapar de ser morto e, na procura por ele, Melquíades sofre um acidente, perdendo a memória. Quando Heitor, o novo oficial, chega à Colônia para desativá-la, só há Bronco Gil, Valdênio e Taborda lá. O oficial traz um novo preso: Melquíades, que perdera a memória e estava com a roupa de preso, uma vez que Pablo tinha trocado o seu uniforme com o do administrador. Aos poucos, Melquíades consegue se lembrar de quem era e começa a caçar os que estão dentro da prisão, inclusive o novo oficial.
Com a obra, percebemos a manutenção de dinâmicas em relação a como lidar com aqueles que desobedecem aos princípios da lei ou que são vistos como corpos selvagens por uma sociedade que abdicou de pensar nos impactos sociais dos projetos econômicos.
Podemos afirmar que a obra reflete sobre a permanência de formas injustas de praticar a justiça e como resistir a essa estrutura. Essas formas têm a ver com as estratégias conjugadas da biopolítica e necropolítica que fomentam as políticas do Estado. Quanto mais disciplinar e regulamentador for o Estado, mais próximo ele estará da criação dos sujeitos emancipados. Entretanto, quando observamos os grupos que sofrem as sanções dessa sociedade disciplinar, constatamos a ação de um componente étnico-racial produzindo desigualdades. Se atravessarmos o biopoder pelo racismo e pelo fascismo das políticas neoliberais, veremos outras forças atuando para que a sociedade que visa à emancipação igualmente produza desigualdades e, portanto, grupos que serão vistos como improdutivos, ociosos e desordeiros permanentemente. Nesse sentido, o sistema penal corrobora com esse gerenciamento uma vez que não visa à correção, muito menos a inclusão, mas sim ao extermínio ou exclusão.
“Durante todo o fim de tarde, os homens permanecem entreolhando-se à distância.”
Para Foucault, o Estado moderno é perpassado por um sistema de direito, cuja origem encontra-se na soberania (o “poder de deixar viver” e o “poder de deixar morrer”). Nesse sistema, convivem mecanismos disciplinadores e regulamentadores. O primeiro normaliza o corpo individual e encontra na morte a expressão mais fiel do poder; o segundo se refere ao controle de populações a partir da regulamentação, numa forma de garantia da longevidade.
Acontece que, embora o poder regulador tenha como objetivo o prolongamento da vida, como dentro dele o exercício da morte é permitido? A resposta encontra-se no fato de os Estados modernos operarem com o racismo, que produz uma fragmentação biológica dentro dos grupos, instituindo os corpos cuja morte não é reclamada. E o que que seria esse racismo? É, primeiro, o meio de introduzir afinal, nesse domínio da vida de que o poder se incumbiu, um corte: o corte entre o que deve viver e o que deve morrer.
A hierarquia das raças, a qualificação de certas raças como boas e de outras, ao contrário, como inferiores, tudo isso vai ser uma maneira de fragmentar esse campo do biológico de que o poder se incumbiu; uma maneira de defasar, no interior da população, uns grupos em relação aos outros.
Isso explica o paradoxo no qual nos encontramos quando percebemos que o mesmo Estado que se serve de um aparato regulamentador da vida para alguns grupos promove um verdadeiro genocídio de outros.
“O confinamento de homens assemelha-se a um curral de animais.”
Podemos ver o reflexo dessa questão em, pelo menos, um aspecto que se relaciona com o romance de Ana Paula Maia: o primeiro diz respeito a como a necropolítica nos ajuda a pensar nas territorialidades das ex-colônias, como o Brasil.
Sobre isso, temos visto que, de fato, o necropoder no Brasil institui territórios onde a guerra é permanente a partir de uma narrativa que olha para alguns grupos e áreas como territorialidades inimigas da ordem e da segurança pública, como as comunidades.
No Brasil, temos “pacificações” com as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) em comunidades periféricas, em que também, em nome do fim da violência urbana, territórios são ocupados permanentemente pelo aparato da polícia militar. Alinhado ao discurso da defesa da ordem ou da defesa da vida concebida dentro dos cálculos do poder, o Estado elabora políticas que visam ao extermínio de boa parte da população. Delegando os problemas da “desordem” ao argumento da falta de civilidade e progresso de vários grupos e visualizando algumas territorialidades como “terra arrasada”, o Estado brasileiro pode ser visto dentro da necropolítica.
Alinha-se a essa necropolítica também a insatisfação de parte da população que, diante das políticas neoliberais, resistem ao discurso de justiça social, apostando na xenofobia, moralismo e manutenção das tradicionais hierarquias de classe, raça e gênero.
“Lá, o preso entra, mas nunca sai.”
Ana Paula Maia é escritora, roteirista e duas vezes vencedora do Prêmio SP de Literatura pelos romances “Assim na terra com embaixo da terra” e “Enterre seus mortos”. Sua escrita é direta, ágil e seus enredos, dinâmicos, com uma especial atenção para descrever ambientes cruéis e violentos, onde não poderia entrar a não ser pela via ficcional.
Ao descrever esses ambientes, pontua as relações humanas, as críticas às instituições, o confronto com a morte, as distintas situações de opressões, oferecendo-nos um importante retrato da complexidade da sociedade contemporânea. Quando lemos o romance “Assim na terra como embaixo da terra”, encontramos uma dinâmica que se repete ao longo do texto: o questionamento da maneira hegemônica de se ver a instituição penal.
Esse questionamento se dá a partir mesmo da história, mas também por causa de pequenos detalhes e personagens. A prisão, como confinamento que leva à correção, aparece como uma construção chamada Colônia Penal que se encontra bem distante da cidade e numa região extremamente árida. Para lá são levados vários presidiários, como Bronco Gil, Valdênio e Pablo, que são vigiados pelo administrador do local, Melquíades, e um agente penitenciário, Taborda. Os presos não sabem, ao certo, por que estão ali, mas, aos poucos, vão descobrindo que estar na Colônia equivale a uma sentença de morte.
A forma-prisão, de acordo com Foucault, é, antes de tudo, uma “forma social”, ou seja:
“Segundo a qual o poder é exercido no interior de uma sociedade – a maneira como ele extrai o saber de que precisa para se exercer e a maneira como, a partir desse saber, ele vai distribuir ordens e prescrições”
-FOUCAULT
A prisão, como forma social, compõe aquela série de dispositivos do sistema disciplinar e regulador que explicam sociedades como a nossa, nos fazendo crer que a privação do convívio leva à correção e, consequentemente, à proteção. Em última instância, a prisão seria uma forma de gerir o tempo e corpos daqueles que não se submetem ao tempo do trabalho, uma alienação necessária para a manutenção dos meios de produção.
“– O pior é que, quando abrimos um buraco no chão, geralmente encontramos outros enterrados.”
Por fim, percebe-se que o medo também é utilizado como um instrumento de repressão. Os prisioneiros possuíam tornozeleiras que, segundo o policial, explodiriam a perna deles caso eles colocassem os pés fora da colônia. Contudo, um personagem no fim de sua vida se sente confortável a arriscar a própria e superar o medo de explodir a própria perna. O medo da explosão paralisava todos os presos, funcionando como uma mecanismo de controle de todos ali. Assim, entre os aparatos disciplinares que compõem o poder, o medo é um importante aliado.
Sobre o medo, vemos que o Estado moderno capturou esse sentimento e o administrou criando uma rede de proteção conhecido como Estado social. De acordo com Bauman, houve uma substituição de elementos naturais de solidariedade, como a vizinhança ou laços comunitários, por vínculos artificiais como “associações, sindicatos, coletividades de tempo parcial”. Estaríamos, de acordo com o filósofo, atravessando uma fase de desintegração desses elementos que administraram o medo, pressionado por forças globais de mercado.
“– Sua alma e seu corpo não pertencem mais a você. Seu direito de saber também não. Só vai saber o que eles quiserem que você saiba.”
A obra “Assim na terra com embaixo da terra” discute a relação entre sociedade, Estado, grupos vulneráveis e sistema penal. A partir de uma história aparentemente extrema numa Colônia Penal onde os prisioneiros são mortos, a obra possibilita pensar no nosso contemporâneo em que práticas necropolíticas e suicidárias fazem parte do discurso do Estado.
Portanto, o Estado procura de alguma forma sempre manter o controle de todas as vidas, querendo possuir informações de cada um organizadas (por isso existe o CPF) e direcionar as pessoas que são “rebeldes” ou “marginais” para ambientes impróprios para a ressocialização e apenas as educam, nesses locais, a reproduzir o comportamento que fora a pessoa não tinha tão intensificado, porém, após uma linda visita ao sistema prisional, pode aumentar essa “agressividade” que possui uma origem da desigualdade social, proveniente do sistema capitalista que rege o mundo.
Enfim espero que vocês tenham gostado e aprendido um pouco mais sobre as ideias do nosso querido Foucault! Recomendo muito ler o livro, pois, mesmo com os spoilers, vale muito a pena! (No fundo para vocês, do álbum "Cabeça dinossauro", "Estado Violência" dos Titãs!! Melhor música para combinar do que essa não tem)
Obrigada pela atenção,
até a próxima! :)

Comments
Displaying 4 of 4 comments ( View all | Add Comment )
♰ 𝓥 𝔦𝔨𝔱𝔬𝔯
QUE POST FODA! O seu texto e sua análise então? Nuh
Amei ler cada detalhe e me fez até ter vontade de comprar o livro
AIII Q BOM, d vd fico mt feliz por isso!! O livro é ótimo, você não irá se arrepender se comprar.
by sabelli; ; Report
Em0Jay_Evrr666
isso aqui tá incrível
MTT OBGGG MSSS <333
by sabelli; ; Report
Max!
MEUDEUS INCRIVELLLLLLL E AINDA É EM PORTUGUÊS, DIVOU
MTTT OBGGG!!! Achei que ninguém iria ler
by sabelli; ; Report
ムカデ saturno
você simplesmente fez um dos melhores posts de todos os tempos e vazou??? absurdo
KKKKKKKKAI GENTE ASSIM EU ME SINTO MT BOA ESCRITORA
by sabelli; ; Report