Faz 7 anos que meu marido faleceu, e durante esses sete anos, escrevi cartas de amor para ele todos os dias. No primeiro ano, guardava as cartas na caixa dos sapatos favoritos dele, mas depois de tantas cartas, as mudei para um baú antigo aqui de casa.
Carta 1
15 de Junho de 1964
Ainda não acredito nisso, não pode ser.
Você vai chegar aqui em casa às 17:00 horas com o seu sorriso de sempre, vai me dar um beijo e vai subir para o banho enquanto eu termino o bolo de chocolate.
Assalto? Tiros? Não, não, não, não, não, não, não.
Carta 5
20 de Junho de 1964
Acabei de voltar do seu enterro, ainda sem acreditar.
Segurei suas mãos com a esperança de sentir o calor delas, sentir seu polegar acariciando a palma da minha mão, mas só senti um frio, que nunca senti antes. Senti na sua mão, e no meu corpo inteiro.
Carta 19
9 de Julho de 1964
Minha mãe já está aqui em casa faz uma semana, eu não consigo fazer mais nada, tá tão difícil sem você.
Quanta dor um coração pode carregar?
Quantas lágrimas um olho pode soltar?
Quantas lembranças um cérebro pode aguentar?
Carta 75
23 de Agosto de 1964
Vendi e doei algumas de suas roupas, me desculpe, mas eu não fiz isso com todas, as suas favoritas ainda guardo comigo.
Já faz um tempo que seu cheiro começou a sumir aqui de casa, então comecei a acender cigarros, sem fumá-los, só para sentir que você nunca foi.
Carta 124
25 de Dezembro de 1964
Primeiro Natal em 15 anos que eu passo sem você. Como é possível? Por que você fez isso comigo? Você nunca passava naquela rua depois do trabalho, seu idiota.
Qual foi o seu problema de me deixar aqui sozinha, em pura agonia e completamente destruída?
Eu acho que nunca vou conseguir te perdoar.
Carta 365
15 de Junho de 1965
Já faz um ano, finalmente tomei coragem e passei na rua em que você se foi.
Me perdoa, por favor, demorei muito tempo para descobrir que você passou naquela rua para ir na loja de flores da Merlinda comprar lírios para mim. Como que eu conheci a coisa mais perfeita do mundo e perdi?
Eu nunca vou me esquecer. Exatamente um ano atrás, vem o Fernando correndo para cá contar o que aconteceu. Eu estava com o seu bolo favorito assando no forno, tinha acabado de colocar.
Não faltava muito tempo para você chegar em casa. Depois descobri que você nunca mais ia voltar.
Carta 444
1 de Setembro de 1965
Fui até uma loja de roupas comprar botas novas, você acredita que um homem veio dar em cima de mim? Ele era uma graça, mas não.
Eu nunca iria me encantar pelos olhos dele igual me encantei com os seus, e sou encantada até hoje. Toda vez que olho para o céu, só consigo me lembrar deles.
Ele nunca me deu flores diferentes do dia anterior por 15 anos seguidos, sem faltar nenhum dia, desde quando nos conhecemos.
Ele nunca ia escrever as mesmas coisas que você já chegou a escrever para mim.
Ele nunca morreu enquanto ia fazer algo por mim.
Carta 841
3 de Outubro de 1966
Outro aniversário meu sem você para ler mais um daqueles poemas que você escreve especialmente e unicamente para mim. Segundo você, é totalmente autoral, eu sempre duvidei um pouco disso, mas sempre achei engraçado.
Carta 978
17 de Fevereiro de 1967
Faz três meses desde que eu comecei a namorar o Jorge, mas hoje eu tive que terminar com ele, pois achei o que você escreveu para os votos do nosso casamento:
“Por muitos anos, eu achei que a coisa mais linda que eu tinha escutado na minha vida era uma música qualquer que eu tinha escutado uma vez em um restaurante, nunca mais ouvi de novo, mas ainda hoje me lembro de cada nota. Só que, há 2 anos atrás, quando eu estava andando no parque, ouvi a risada mais gostosa do mundo, e automaticamente virou o meu som favorito.
Você estava lá sentada, usando uma trança de um lado só, rindo de um garoto, que graças a Deus era só o seu irmão, porque eu fui direto dar em cima de você, te entregando uma pequena flor amarela.
Logo depois fui percebendo que o seu sorriso é a coisa mais linda do mundo.
Você é tão estranha, tem umas manias muito esquisitas, pinta as unhas sempre em uma ordem que eu nunca vi na vida.
Faz a maquiagem mais louca do mundo.
Nunca vi ninguém vestida de arco-íris igual você.
Você também é muito chata.
Vive querendo discutir à toa por uma coisa que esquece em 5 minutos porque se irritou com outra coisa.
Mas também é a mulher mais compreensível do mundo.
Sempre tentando me entender, e sempre com uma solução pros problemas.
A pessoa mais bondosa que eu já conheci, às vezes até dá raiva.
A mulher mais linda, só que com as piores músicas.
Mas tudo isso me faz amar você cada vez mais, e tudo isso me faz querer passar o resto da minha vida com você. Quero ser um velho super enrugado com a minha velhinha junto comigo, brincando com os nossos netos, e, se dermos sorte, com os nossos bisnetos também. E já respondo o sim aqui, antes mesmo do padre me perguntar se eu quero passar o resto da minha vida com você, até que a morte nos separe.”
O Jorge disse que era bom terminar comigo logo, já que ele não queria uma maluca que ainda escreve cartas pro marido morto.
Carta 2507
26 de Abril de 1971
Faz 3 anos que eu descobri meu câncer, estou quase partindo, mal consigo escrever essa carta, mas sinceramente, eu não vejo mais motivos para viver aqui desde quando você se foi.
Já tentei me relacionar com vários caras, já pensei em botar fogo nas cartas um milhão de vezes, já me mudei de casa, já me mudei de cidade, mas não adianta. Quando duas almas são destinadas a ficarem juntas, elas vão ficar, mesmo à distância, porque mesmo que não falemos mais com a nossa pessoa, ela sempre vai existir no nosso coração e sempre se reencontram.
Agora, já está chegando a hora de nos reencontrarmos, meu amor.
Por muitos dias choveu com o céu bem claro e o sol lá em cima, mas nunca chega a hora do meu casamento, e eu nem quero, a não ser que seja para renovar meus votos contigo.
Então, amanhã, se eu não escrever mais nenhuma carta, é porque estamos refazendo a nossa dança nas nuvens.
Uma história autoral minha *Laydamerfor*
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