Aftersun: uma memória de adeus

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Bom, vou falar um pouco sobre esse filme “Aftersun” que eu assisti nas férias e como foi um filme realmente muito interessante, tocante e maravilhoso, acho legal comentar um pouco aqui, talvez até mesmo como uma resenha e quem sabe eu vou tentar linkar com algum pensador que já conheço enquanto escrevo.




O filme começa mostrando um pai - Calum, de 30 anos - e sua filha - Sophie, de 11 anos - que foram viajar nas férias da menina para a Turquia, pois, como seus pais estão separados, eles foram viajar sozinhos um com o outro. As filmagens rodam por diversas cenas, algumas que foram gravadas pelos próprios personagens pela visão deles, como memórias, em uma câmera e algumas cenas mostram momentos de aventuras e aprendizado de ambos. 


A Sophie é mostrada como uma criança muito observadora e que gosta de questionar as coisas, sempre querendo entender o que o pai passava, porém, pelo fato dela ser uma criança não era fácil de perceber o que estava acontecendo. E Calum, sempre tentava mostrar para sua filha o seu melhor lado mesmo quando ele estava passando por momentos ruins, pois, queria que ela tivesse boas memórias dele.


Ela começa a enxergar o mundo de uma maneira diferente, pois, ela começa a socializar com alguns adolescentes que ficam falando de suas vidas “maduras” e fica observando as crianças, de sua idade, que brincam. Sophie, pelo fato de não se identificar e não se encaixar em nenhum dos grupos, se sente por fora e tenta até mesmo “crescer” mais rápido, para poder se sentir pertencente a algo, além de ficar só com o seu pai, que quando não está com ela fica pensando e remoendo mágoas passadas, além de, ter diversas crises graves, por conta da sua depressão, na frente dela.


A sensação que o filme dá é de alguém tentando entender o que aconteceu naquela viagem e a medida que esses fragmentos de memórias e gravações vão passando, conseguimos entender junto com a Sophie o que se passava, já que naquela época ela era jovem demais para conseguir compreender. As cenas possuem um sentimento único a cada que passa, são bem sutis as dificuldades relatadas e cada espectador compreende elas de uma forma e olhar diferente.


“Amor é dar o que você não tem a quem não pediu”
- Lacan


Essa frase do Lacan define muito o que o pai passa com a filha, pois, ele que possui depressão (como eu vou explicar a seguir) entrega o amor que ele não tem para a sua filha, que não o pediu.


A depressão do Calum é apresentada de uma forma bem suave, o telespectador não percebe caso não preste atenção, pois, na maior parte do tempo ele se demonstra bem otimista e feliz para sua filha. Com o passar do filme, percebe-se que a depressão dele surgiu por conta da instabilidade financeira e tentativas de alcançar objetivos e falhar. Em alguns momentos, a alegria dele é genuína e efêmera, porém, em outros a dor é tão profunda que ele não consegue evitar o estranhamento de Sophie ou explicar o que aconteceu, pois, a depressão forma uma barreira entre eles o que o impede de se abrir para sua filha.

Na cena em que ambos estão em uma boia no mar, Calum diz para Sophie que ela pode contar tudo para ele, que ele nunca julgaria, até mesmo se ela usasse drogas e Sophie acha graça e diz que nunca faria isso. Essa parte tem uma importância para duas coisas do filme: a primeira sendo uma forma de dizer que Sophie podia falar confortavelmente com  seu pai, contudo, o mesmo não conseguia se abrir para ela e a segunda é a contradição da Sophie ao falar que nunca usaria drogas, pois, ao decorrer do filme, flashes do pai dela em uma balada aparecem e, durante uma bad trip, ambos se encontram na mesma fase da vida, a Sophie com a idade que o pai tinha e passando pela mesma situação de ter uma filha e cuidar dela.


“Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”
- Elis Regina


Esse trecho da música da Elis, demonstra exatamente o que a filha passou, exatamente como o seu pai, sendo assim, a mesma vivendo como ele (como expliquei no parágrafo de cima).


Um elemento muito marcante durante o filme todo é a água, que para Sophie representa a fluidez da juventude que ela tem ainda para viver, porém, para Calum representa um sufoco, ou seja, sua depressão, tanto que, em uma cena no qual ele tenta alcançar uma máscara que caiu no mar, ele não a alcança e isso representa o fato de ele não conseguir alcançar seus objetivos numa imensidão de possibilidades, que seria o mar, e isso o faz se afogar no fundo de sua alma, sem possibilidade de escapar de si mesmo ou da doença que o consome lentamente. 


Momentos que seriam triviais para as pessoas, são apresentadas no decorrer do filme com um olhar muito mais romantizado, mas não porque é um filme e o cinema romantiza a vida e sim porque aqueles são os últimos momentos que uma filha tem com o pai. Coisas simples como passar protetor nas costas um do outro ou dançar juntos se tornam essenciais para Sophie entender o que se passava com o seu pai. Aftersun é um ótimo retrato da depressão e de como o resgate das memórias é importante para compreensão das feridas do presente. O filme é muito sútil ao mostrar o fardo oculto nas sombras paterna e materna e como os pais tentam evitar que os filhos sejam expostos a ela. Ele consegue representar com maestria como memórias longínquas se desfazem, se refazem e ressignificam quem por elas passam.



“Não se pode olhar para trás sem se pensar no futuro”
- Renato Russo


Essa frase do Renato Russo também define exatamente o que eu acabei de explicar no parágrafo acima.


A obra é construída na visão de Sophie, como se fossem antigas memórias que ela estivesse juntando de pouco em pouco para poder entender o que aconteceu com o seu pai, por meio das gravações e o que sobrou em suas memórias.


O filme é muito pessoal, então todo e qualquer fim que o telespectador imaginar pode ser considerado um final válido, pois, cada um interpreta os personagens de acordo com suas vivências e época de suas vidas em que estão assistindo, portanto, o filme se desenrola de acordo com quem vê, o que o torna único. Salienta-se também que o filme possui muitas mortes simbólicas em diversos momentos para cada espectador. 


Um momento crucial do filme é última dança deles ao som de “Under pressure”, música do David Bowie e Freddie Mercury, e essa música é feita num contexto do Thatcherismo, então é uma música muito sobre melancolia, já que retrata uma época ruim da Inglaterra, porém, ainda é uma música que procura encontrar uma fagulha de esperança numa coisa muito genérica e retratada no filme: o amor. E isso demonstra que a última esperança do pai era, talvez, sua filha. O cenário todo indica que essa é a última dança deles, contudo, nunca vamos mesmo saber o motivo por ser a última. E o engraçado é que nós, também, nunca sabemos quando vai ser nossa última “dança” e só vamos saber quando não se pode mais dançar, o que mostra o quanto a vida é passageira, rápida e breve.


“O que fazer quando a música acaba?”
- Nietzsche


Simplesmente, essa frase explica o fim do filme sem explicar.


A cena da dança condensa duas coisas muito fortes: o amor e a morte. Dar o amor, o que o pai não tinha, para alguém que não pediu, que seria a filha, mostra o sacrifício de si mesmo, a morte do “eu” no amar, o ato de você se entregar ao outro. 




Enfim, eu falei muito sobre o filme e também sobre as mensagens que ele deixou para mim. Eu pensei em lincar com MUITOS pensadores, tanto que acabei citando o Lacan e o Niet no meio do texto, porém ainda tem mais três que eu senti que encaixam nesse contexto. Não vou me aprofundar nas ideias de cada um, somente falarei por cima o que EU acho que liga com eles, talvez faça sentido, talvez não, mas é isso.


Giddens

Eu linkei com o Giddens, principalmente com a ideia da modernidade reflexiva. Sob o viés de Giddens, a modernidade é efêmera e com isso temos diversas incertezas e é nela onde o indivíduo se vê desafiado pela fluidez das identidades a pluralidade de opções, por isso, precisa mudar constantemente e se adaptar. O fato de Calum ter sido um pai jovem e estar transitando para a vida adulta mostra como ele se perguntava o que estava fazendo e o que devia fazer, ou seja, esse constante questionamento de o que fazer perante as incertezas e da ideia de ser um pai. Durante o filme, percebe-se que o pai tenta muito ser aquilo que quer que a filha dele veja que ele é, porém, assim ele deixa de ser si mesmo, deixa de demonstrar seu sofrimento, o que agrava ainda mais o seu estado de depressão. Como acredita Giddens,  a individualização na modernidade tardia não é um egoísmo mas sim uma forma de buscar a sua verdade diante de uma complexidade, que é o que acontece com Calum ao decorrer do filme, ele tenta achar a sua verdade no meio de todos os sentimentos e todo caos que está acontecendo em sua vida. 


Sartre

O Sartre fica bem óbvia a escolha, pois, a ideia do presente ser uma angústia consegue mostrar exatamente o que o pai passava. O fato de ele lembrar o passado que foi ruim e imaginar um futuro que parece inalcançável, por conta da frustração de tentar ser algo mas nunca conseguir, demonstra essa infelicidade e angústia que ele sofre, provavelmente um dos grandes motivos de sua depressão. No presente, ele possui diversas escolhas e essas escolhas só vão levar ele a uma realidade e não aos sonhos que ele tem, e isso é literalmente a visão de Sartre sobre o presente.


Schopenhauer

O que eu liguei com o Schopenhauer foi  a do presente presente perpétuo, que fala basicamente que ao amadurecer, vivemos um paradoxo, pois, esse processo nos leva a sensação de que a melhor fase da vida já passou e é o que acontece com Calum e Sophie, quando está mais velha. A busca incessante por satisfação levaria apenas à dor e ao vazio, que é o mar de Calum, a dor de não conseguir. 




E é isso gente! Eu realmente, dessa vez, escrevi muito mais do que o costume, porém, como foi uma obra que eu me interessei muito foi divertido escrever. Não comentei minha visão do final do filme, pois, depois de ver resenhas, muitos pontos de vista e as ideias que eu tive, não consegui decidir muito o que eu espero que tenha acontecido. Portanto, prefiro deixar em aberto mesmo, com inúmeras possibilidades e também para você não tirar ideias precipitadas baseadas na minha simples e humilde opinião.


Espero que vocês tenham gostado, até a próxima!


 Segue abaixo a última ceninha do filme


 


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