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Category: Romance and Relationships

Reflexões sobre o amor no "inapropriado e obsceno"

O texto a seguir possui censuras nas letras das músicas. Caso haja interesse, acesse as originais no site Letras.mus.br (ps.: não recomendo)


Objetivo

Durante minhas leituras relacionadas às ideias de Pierre Bourdieu, percepção em aulas em geral e a presença da exaltação daquilo que é produzido pela alta classe como material intelectual, foi compreensível para mim que é primariamente utilizado, de forma a construir uma análise de um problema social (compreender uma questão social), a exemplificação com base no meio cultural (utilizar como demonstração de tal problema ou questão o meio cultural, ou seja, usar de demonstração músicas, pinturas, danças, etc…) e que toda essa produção, ou sua maior parte, é envolta justamente naquilo que é criticado pelos sociólogos que retratam sobre o assunto. Dessa maneira, compreendi que havia a necessidade de tratar filosoficamente ou sociologicamente de uma questão social (no caso deste texto, o amor) utilizando-se do meio comum e compreensível por todos, mesmo que fosse um meio cultural desprezado e julgado pelos que produzem conteúdo intelectual “correto e culto”. Uso, portanto, de músicas, letras e artistas em que não se imaginaria a possibilidade de desenvolvimento de material intelectual a partir de suas letras devido à grande proporção de obscenidades em suas músicas, mas que, apesar disso, caso haja o real interesse em buscar por uma fonte que gere questionamento, são facilmente encontrados exemplos do assunto a se falar e criticar.


Introdução


O cenário musical brasileiro sempre foi envolto por diversos estilos musicais que visavam representar diferentes visões de um mundo vivido por diferentes classes sociais. Na contemporaneidade isso pode ser facilmente identificado na divisão que se faz entre “músicas boas” (geralmente músicas de origens “eruditas”, ou consideradas clássicas e cultas) e entre “músicas ruins” (geralmente produzidas pelas classes mais pobres e consumidas por essas, portanto, marginalizadas). Há também a noção de que a análise de teorias sociológicas ou filosóficas, usando músicas como exemplo, pode ser feita apenas com material considerado culto ou não marginalizado na sociedade (usando muitas músicas brasileiras “clássicas”/mpb, pop do mais conhecido, rock de suas origens mais bem aceitas no meio social, etc). Entretanto, nessa análise serão utilizados estilos musicais mal vistos por muitas pessoas e considerados inapropriados e/ou sem classe por muitos, como o funk, o trap e o rap. Para base da pesquisa usando das ideias dos filósofos: Zygmunt Bauman e Friedrich Nietzsche, as seguintes músicas irão ser vistas diante de suas teorias: Oompa Loompa - slipmami, Automotivo Bibi Fogosa - Bibi Babydoll, Então Menina se Prepara - MC Pepeu, Só Quando Ela Me Quer - Yunk Vino, Olá Moça - MC IG e Veigh.


Amor Líquido de Zygmunt Bauman

O sociólogo e filósofo Bauman, cujo cunhou o termo amor líquido, diz que a modernidade em que vivemos é líquida, repleta de relações vazias, instáveis, frágeis e que esvai assim como a água. A existência dessa realidade gera insegurança nas relações, não só amorosas, entre indivíduos, consolidando a dificuldade em lidar com sentimentos e situações conflitantes, afrouxando laços afetivos, divulgando a falta de comprometimento com questões diversas e a necessidade constante de buscar algo que supere a sua insatisfação. Em geral, estilos musicais como funk, trap, rap demonstram essas questões em situações cotidianas, muitas vezes vividas pelos próprios autores das músicas e que, embora não descritas de maneira formal e “apresentável”, se analisadas, é nítida a presença na fluidez nas relações mostradas pelos cantores.


O amor segundo Nietzsche


Embora as opiniões do filósofo estejam fundamentadas principalmente em quebrar a noção de um amor ideal, em muitos de seus projetos sua interpretação do sentimento pode ser vista nas músicas. Há a crítica pelo mesmo em relação ao amor romântico como sendo uma ilusão e/ou fraqueza do indivíduo e que o amor real seria uma forma de expressão da necessidade de poder e vontade, não um sentimento meramente passageiro. Ele acredita que o amor é muitas vezes baseado em egoísmo e busca pelo próprio prazer, em vez de um genuíno compartilhamento de sentimentos. O amor seria, portanto, o desejo de se apossar do outro; transformar o outro em uma propriedade que encarnaria o produto de nosso amor; é o desejo de saciar a vontade de conquista de algo. Dessa maneira, o amor sexual (exposto com frequência nas músicas a serem analisadas) será a forma de materialização da vontade de propriedade em cima de algo.

Análise das músicas em relação às teorias


Todas as letras das canções citadas dizem, mesmo que brevemente e/ou de maneira não tão perceptível, sobre um assunto em comum, o amor ou as relações que podem envolvê-lo. “Oompa Loompa” de slipmami, no trecho próximo ao refrão, há a reclamação do eu lírico que diz que seu par só se importa com o “papo de romance”, que ele é muito emocionado, que ele não seria o namorado dela e ela só teria interesse em algo sem compromisso com o mesmo. Nessa tese, existe a forte percepção de ambas interpretações teóricas de ambos filósofos já citados anteriormente; uma relação líquida e que não possui comprometimento e o desejo de possuir um bem a fim de saciar uma necessidade própria.


Trecho da música: “Ele quer usar meu casaco agora

Posta stories com a trem-bala trovão

Se me tontear, eu já vou cair fora

Não quero saber de papo de emoção

Pai dele e amigo deles me odeiam

Porque eu quebrei seu pobre coração

Foi mal, novinho, mas tu é emocionado

Fica sempre na própria emoção, pô


Mesmo papo de romance, *****, eu só quero esse *** comer

Ele não é o meu namorado”


Na música de Bibi Babydoll, a cantora abre o questionamento quanto ao que sente, perguntando a si mesma se o sentimento seria apenas desejo ou de fato amor. Diz ainda sobre o quanto o objeto de desejo atrai a mesma, dando abertura para a indagação. Na letra de MC Pepeu também é notável a crítica do eu lírico a um par romântico que não faz questão de aprofundar o relacionamento entre ambos, deixando a fragilidade dessa relação óbvia, já que a personagem só tem interesse no eu lírico quando se trata de um desejo próprio, fazendo ligação tanto com Nietzsche quando com Bauman. Evidencia-se tal acontecimento no seguinte trecho:


“Ela me chamou como de costume, nunca me assume
Mas quando a saudade bater

O endereço você já sabe

Pode ficar a vontade”


As músicas “Só Quando Ela Quer” e “Olá, Moça” também fazem parte da mesma lógica segundo a interpretação e análise das ideias filosóficas já citadas e isso é visto nos trechos:


Trecho de “Só Quando Ela Quer”:

Só quando ela me quer

Ela me procura na madruga

Só quando ela me quer

Me questiona que eu não te respondo nunca

Gosto quando cê sarra de costas

Baby, vem, eu gosto muito e sei que você gosta


Trecho de “Olá, Moça”:

“Ser solteira tá na moda, por isso ela não quer se apaixonar

Nem vou mandar mensagem

Pode desgrudar do celular”


Conclusão


Com a análise baseada no objetivo de demonstrar a capacidade de se retirar material intelectual baseado naquilo que é considerado “fútil, inadequado e sem cultura”, percebo que essas afirmações não são de total bom senso, não havendo de fato algo que “não tenha cultura” ou algo que seja impossível de se produzir um trabalho a partir de tal. Existem sim cenários em que o uso de meio cultural “culto ou adequado” torna-se melhor para a exemplificação de um problema, mas descartar a existência do mesmo material em um cenário completamente diferente e rejeitado, principalmente por se tratar de material produzido muitas vezes pelas classes mais pobres, é demonstrar apenas um falso interesse nas questões sociais presentes no mundo. Nesse sentido, mesmo obras aparentemente obscenas e sem conteúdo algum podem servir para se fazer uma compreensão de um cenário semelhante ao representado ou não, partindo apenas de quem produz o trabalho o interesse em buscar por outras fontes que determinem se sua teoria é concreta ou não passa de uma hipótese.

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