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Algo sobre cinema, amor, sonhos e esperança

Então, eu me formei em Cinema em 2023. Fall Out Boy lançou o que eu considero um dos melhores álbuns da última década nesse ano, "So Much For (Star)dust" (e se você nunca o ouviu, pare tudo e vá ouvir agora. Depois você pode voltar para me agradecer). 

Nesses últimos meses, enquanto corria para terminar de editar e escrever os relatórios do meu TCC, a letra da música "Heaven, Iowa" desse álbum não saia da minha cabeça. É porque é assim que eu defino o final dessa graduação: "Twice the dreams, but half the love" (o dobro dos sonhos, mas metade do amor). Desde que entrei para essa faculdade, em 2020, meu amor pelo cinema foi se transformando. Ele era muito puro, muito genuíno - infantil, há quem diga. No meu primeiro semestre, para uma atividade, enquanto estávamos em ensino à distância devido à pandemia, tive que escrever uma carta endereçada ao Cinema, com C maiúsculo. É exatamente sobre isso que falo nela: sobre a nostalgia que o cinema me traz, como lembro das sessões cinéfilas com minha irmã quando sequer tinha alcançado uma década de vida, aquelas noites em que éramos nós duas e uma tela, nós duas e uma infinidade de possibilidades que só a mágica do cinema traz. 

A Susan Sontag fala sobre isso em algum texto que não tenho a energia para pesquisar nesse momento: nunca voltamos para essa perspectiva pura, infantil e mágica do cinema depois que conhecemos sua teoria. E isso é terrivelmente doloroso para quem ama cinema de verdade - a mágica se transforma. Não acho que ela acaba, mas ela se torna uma coisa mais complexa, mais exaustiva dependendo de onde você se posiciona. E para mim é isso: não assisto mais tantos filmes porque isso se tornou uma atividade séria demais. Eu amo cinema: é meu grande amor, foi ali que me encontrei. Mas parece que entender demais sobre cinema abafa esse amor - é trabalho demais. É um universo que é meu também, agora, e não é inalcançável. Acho que é exatamente isso - ele não tem mais a mesma magia porque eu entendo tudo o que está por trás de cada cena. Não é magia; é trabalho humano e é por isso que é tão lindo. Mas se desfazer da percepção da magia é doloroso demais. 

(Méliès, você consegue me ouvir? Você fez a magia ser real demais para mim em algum ponto. Agora sou eu aqui, por trás das câmeras, te copiando. É um pouco solitário, saber que eu jamais vou poder assistir aos meus próprios filmes sob a perspectiva pura de um espectador. Eu queria poder apagar tudo o que vivi durante as gravações e só assistir ao curta-metragem que produzi para meu TCC. Ele seria bom? Eu entenderia os pormenores que trabalhei tão duro por tanto tempo para construir? Eu gostaria desse filme? Eu queria poder me ouvir, distante de toda a percepção da produção audiovisual. É solitário demais criar arte. Mas a arte une, então será que essa solidão não é apenas um luto meu pela criança que assistia filmes com os olhos brilhando, se perguntando como as pessoas conseguiam fazer tudo aquilo? Agora eu sei. Méliês, eu sei. Dorota Kędzierzawska, eu sei. Satoshi Kon, eu não sou da animação, mas eu sei.)

Mas a questão é que, dentro do audiovisual, eu sonho como nunca sonhei quando entrei nesse curso. Eu tenho ambições, eu quero fazer meus projetos, eu quero participar de um milhão de outros projetos. Eu vou fazer uma pós-graduação em Direção de Arte ano que vem e eu fiquei em êxtase no dia em que fiz minha inscrição, sem nem ter apresentado meu TCC ainda. É porque eu amo trabalhar com cinema. Na última diária de gravação do meu TCC eu pensei "não aguento mais, nunca mais quero fazer um filme". Um mês depois, eu tweetei: alguém me chama para fazer um filme, eu não aguento mais. É porque é só dentro do set que eu me encontro. É porque eu quero fazer arte e eu quero crescer e eu quero mudar a porra do mundo através do cinema. É porque agora eu tenho o dobro dos sonhos, apesar da metade do amor. 

Quando estava na banca do TCC e meu professor começou a discorrer sobre o que eu desenvolvi e soltou um "Direção de arte fenomenal, cada um dos 5 pilares bem contemplados" eu tirei a ponta da caneta do caderno (em que vinha anotando cada crítica para controlar minha tremedeira) e senti meus olhos brilhando. Literalmente - eu senti meus olhos se arregalando e alguma coisa passando por eles enquanto ele elogiava meu trabalho olhando diretamente para mim. Eu só queria alguma crítica para anotar, naquele momento, porque não sabia o que fazer comigo mesmo. 

Depois que terminaram toda a discussão sobre o projeto, avaliaram e nos deram 9,5 de nota, eu fiquei procurando por aquela sensação de alívio, felicidade, tudo o que devia sentir depois da aprovação do TCC. Mas eu não sabia como me sentir, mas existia alguma coisa no meu peito que eu não sabia definir o que era. Voltando para casa sozinha, eu entendi: era esperança. Uma coisa que eu não sentia há muito tempo. Uma coisa que eu demorei para dissecar nos dias que seguiram a banca, porque era tanta coisa acontecendo. Era tanto. Mas ali estava eu: sentindo esperança. Talvez eu seja uma boa diretora de arte. Talvez eu tenha talento para produção. Talvez, talvez, talvez. 

Talvez esses sonhos em dobro tenham algum fundamento. 

Talvez o amor volte em dobro, em algum momento. Eu sinto que ele vem se reconstruindo: minha esperança é um desdobramento desse amor.

Esse é um texto gigantesco sobre algo que não vai ter importância para ninguém aqui. Gosto dessa insignificância. Gosto de filmes sobre coisas importantes para um único indivíduo, mas insignificantes para o resto do mundo. Aí está: minha segunda carta endereçada ao Cinema, quatro anos depois da primeira. 

Não revisei nenhum desses parágrafos e erros são essenciais. Obrigado, Cinema, e obrigado, Fall Out Boy. 

XO, Sara.


3 Kudos

Comments

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Baccara

Baccara's profile picture

a parte em que vc diz "A Susan Sontag fala sobre isso em algum texto que não tenho a energia para pesquisar nesse momento: nunca voltamos para essa perspectiva pura, infantil e mágica do cinema depois que conhecemos sua teoria", achei tocante..meio triste mas tocante...


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aa obrigada! eu acho que é uma realidade muito triste a que ela traz, essa relação com cinema e a "pureza" da percepção sobre ele que é muito mais complexa do que a gente pode imaginar. mas que bom que isso dialogou com você de alguma forma! <3

by sara ✮⋆˙; ; Report