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O Caderno de Fantasmas - A Última Carta.
No outono de 18—, quando as folhas secas sussurravam segredos aos que se atreviam a ouvir, conheci Karmille. Uma criatura de luz e sombra, cujo coração parecia ferido por espinhos invisíveis. Os médicos da época murmuravam sobre "histeria" ou "melancolia nervosa", mas eu via algo mais profundo: um espírito dilacerado entre o amor e o pavor de ser amado.
Karmille vivia sob o peso de fantasmas passados.
Um antigo amante, homem cruel como inverno sem lenha, usara-lhe o corpo como moeda, e ela, na fome e no desespero, permitira. Anos depois, quando enfim encontrara refúgio nos braços de um companheiro gentil, eis que o passado a assombrava: mensagens esquecidas, palavras íntimas deixadas como rastros de um tempo em que o prazer e a dor se confundiam.
O companheiro, ao descobri-las, feriu-se não pelo conteúdo, mas pela injustiça silenciosa que nelas lia.
"Por que ele, indigno, recebeu o que eu batalho para merecer?"
Karmille, por sua vez, via apenas culpa. Cada gesto de afeto do presente era ofuscado por espectros de outrora.
"Como pude machucá-lo?"
Perguntava-se, esquecendo que outrora fora outra mulher — uma que trocara dignidade por sobrevivência, não por volúpia.
Observei Karmille lutar contra si mesma. Num dia, jurara ao companheiro que o amava, que seu corpo agora respondia apenas ao toque dele. Noutro, convencia-se de que jamais seria perdoada, e que o fim era inevitável. "Não mereço perdão", dizia, como se a redenção fosse um cálice que lhe escorresse pelos dedos.
Mas eis o que Karmille nao entendia: o passado não é um decreto, e sim um caderno de lições. Seu erro não fora o de promiscuir-se, mas por achar que aquele ato de sobrevivência a definia pra sempre. Seu companheiro, homem de carne e ossos, não era juiz - era alguem que escolhera ficar. E se, ele mesmo ferido, ainda a olhava com ternura, por que ela insistia em condenar-se?
No final nao posso dizer que Karmille encontrou plena paz - essa névoa sem nome naquela época - ainda a visitava nas noites frias como pesadelos inacabáveis, torturantes, dolorosos e pareciam não ter fim. Mas aprendera a distinguir os demônios reais dos imaginários. E ao companheiro, deixou a simples escolha:
'Fique se enxergar-me em meu presente. Parta se só conseguir ver meu passado.'
Porque no fim, como as folhas daquele outono, tudo o que não nos serve deve ser varrido pelo vento.
lembre-se: você não é Karmille — está apenas emprestando sua dor para quem quiser, poder entendê-la melhor. ;-)
Abril, 07, 2025
Com carinho Karmille.







Comments
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lucy
Eu acho que me identifico com a karmille...
Pode ter certeza que eu também!! E tá tudo bem!!!
by Dark Divine; ; Report